A Confederação Israelita do Brasil apresentou reclamação disciplinar contra mim ao Conselho Nacional de Justiça; este a remeteu à Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
O objetivo da Conib? Me calar. Por isso, ao responder, informei à Corregedoria que tornaria pública a minha manifestação.
Para ilustrar a publicação, pensei, primeiro, em utilizar foto que desse ideia do genocídio praticado por Israel: uma foto panorâmica de Gaza destruída ou de uma vala coletiva.
Mas seriam fotos às quais faltariam pessoas. Ao menos pessoas vivas. Então pensei que seria melhor optar pela pungência dos irmãos órfãos Soso e Omar, cujo vídeo pede um abraço de acolhimento.
Por fim, optei pela foto que está aí, porque nela vejo também esperança. É de Rahaf Nasser cantando para crianças sob as ruínas. Rahaf é estudante de medicina. Ou era: não há mais escolas de medicina em Gaza.
Segue minha manifestação:
EXCELENTÍSSIMA CORREGEDORA-GERAL DE JUSTIÇA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
Viemos aqui depois de ouvir sobre a chegada de caminhões de farinha na cidade
Não há farinha, comida ou água em Gaza
Estamos sob fogo
Toda vez há mortos e feridos
Os bombardeios continuam
Mas não podemos viver sem farinha para alimentar nossos filhos
Viemos aqui carregando nossas mortalhas em nossas mãos
Viemos buscar farinha e morremos
Tanques atiram em nós
Onde está o mundo?
Onde está o mundo?
Eles nos trazem farinha e atiram em nós
Que tipo de vida é essa?
O que devemos fazer com essa farinha?
Por que eles atiraram em nós quando nos trouxeram farinha?
Deixei três filhos em casa
Três vezes eu fui baleado
Ou eu volto com a farinha
Ou eu não volto
(Poema lido pelo ator inglês Benedict Wong,
atribuído a Belal, médico palestino de Gaza.)
Pio Giovani Dresch, brasileiro, aposentado, venho me manifestar na reclamação disciplinar contra mim apresentada pela Confederação Israelita Brasileira no Conselho Nacional de Justiça e remetida para esta Corregedoria.
I – Introdução
A Conib acusa-me de fazer publicações antissemitas e postula a abertura de processo administrativo disciplinar. Invoca, para isso, o artigo 4º da Resolução 305/2019 do CNJ, segundo o qual “Constituem condutas vedadas aos magistrados nas redes sociais: (…) III – emitir ou compartilhar opinião que caracterize discurso discriminatório ou de ódio, especialmente os que revelem racismo, LGBT-fobia, misoginia, antissemitismo, intolerância religiosa ou ideológica, entre outras manifestações de preconceitos concernentes a orientação sexual, condição física, de idade, de gênero, de origem, social ou cultural (art. 3º, inciso IV, da Constituição Federal; art. 20 da Lei nº 7.716/89).”
Informo que tornarei pública esta resposta. Não o farei por nenhuma espécie de desconsideração para com esse órgão correcional, mas porque, sendo a intenção da Conib me calar, a única resposta digna que posso dar, com o pequeno alcance da minha voz, é seguir denunciando os crimes que Israel pratica na Palestina, em especial o genocídio palestino.
II – Minha trajetória
Antes de responder à acusação, discorro rapidamente sobre minha trajetória de vida.
Tenho 65 anos e me aposentei em 18 de março deste ano, com 28 anos de magistratura. Tenho, portanto, uma já longa caminhada percorrida, dentro e fora da magistratura, e nela, por mais que investigue, a Conib nada encontrará que destoe de uma busca pela efetivação dos Direitos Humanos.
Poderá procurar em quase dez anos de textos no meu blog Bissexto, antes disso nas redes sociais ou em qualquer manifestação pública dada ao longo da vida, e não achará discurso discriminatório ou de ódio. Pelo contrário, ao longo de todos esses anos, sempre me dediquei à defesa dos Direitos Humanos, que, por definição, representam a antítese do ódio.
Como mencionou minha passagem pela presidência da Ajuris, invoco o relatório da gestão que presidi, do qual constam, exemplificativamente, a mobilização pela humanização do sistema carcerário, a criação do observatório contra a homofobia e a premiação concedida a um coletivo de moradores de rua (Jornal Boca de Rua).
Também participei, a partir de 2018, como integrante do Instituto de Acesso à Justiça, da implementação de um programa de bolsas de estudo para pessoas negras em cursos preparatórios para acesso a carreiras jurídicas. Foi o mesmo ano em que a Sociedade Hebraica ovacionou um orador misógino e racista, que pronunciou disparates, como o de que afrodescendentes não servem nem para procriar. De minha parte, fiquei feliz, recentemente, ao receber a notícia de que uma afrodescendente então apoiada pelo IAJ acabou de ser aprovada em concurso para juíza do trabalho.
Sigo dizendo, de modo quase redundante, que, se não se pode encontrar manifestação de ódio de minha parte no genérico, nunca houve nada de antissemitismo no específico. O que tem acontecido muito – a Conib diz que realizo “verdadeira cruzada” – é a insistência num tema caro aos judeus: genocídio.
Cheguei a escrever artigo (Fronteiras) no qual refleti especificamente sobre o antissemitismo. Nele escrevi: “Coexistem (…) a crítica a Israel baseada nos melhores sentimentos de solidariedade e o ódio aos judeus baseado nos piores sentimentos de intolerância.”
No meu blog há 11 textos em que a palavra “judeu” é citada. A Conib poderá fazer uma busca, para ver se alguma vez foi usada em sentido preconceituoso ou pejorativo. Não achará.
III – Autoria
Ingresso no teor da reclamação, para, evitando discussão desnecessária sobre a autoria das publicações que me atribuiu, confirmar que são minhas. Poderia ressalvar o pouco cuidado da Conib em distinguir entre escritos de minha autoria e meros compartilhamentos. Assim, quando, ao mencionar publicações minhas copiando “Chegaram, invadiram, roubaram, mataram”, “soldados israelenses tripudiam do sofrimento de suas vítimas” e “enquanto você lia, Israel assassinava mais uma criança palestina” (p. 19), omite o fato de que a primeira e a terceira falas são minhas, mas a segunda é de outra pessoa. Todavia, embora a prática revele o descompromisso com ser fiel aos fatos – o que assinalarei em outros pontos – deter-me nisso me desviaria do essencial.
IV – Muitas fake news
Sigo a leitura, para assinalar que a Conib me atribui “sistemáticas publicações, muitas podendo ser classificadas como fake News” (p. 6), mas cuidadosamente evita dizer quais são. Ao longo de infindáveis petições, a única mensagem cujo conteúdo afirmou ser falso foi referente ao bombardeio do Hospital Al Ahli, sobre o qual disse: “Verificou-se, logo após, que a acusação [a Israel] – e as notícias a esse respeito – eram falsas, levando autoridades, veículos de imprensa e o público em geral a corrigir a informação inverídica e mentirosa” (p. 8).
Não que eu tivesse feito uma acusação direta a Israel: o que despertou a contrariedade da Conib foi eu ter escrito isto: “no rádio do táxi, o programa jornalístico matinal. As âncoras mais o repórter enviado à única democracia do Oriente Médio. Terrorismo daqui, terroristas dali. Na explosão do hospital, o nome muda para tragédia” (p. 9). Ora, essa diferença de tratamento, notável em toda a grande imprensa, e naquele programa jornalístico em particular, trazia, sim, um pressuposto, uma diferença de tratamento, mas não se o atribua a mim, que apenas o revelei. Depois, se, como menciona, fiz perguntas retóricas sobre explosões de hospitais causadas por Coreia do Norte e Irã, foi porque, de fato, não há ações dessa natureza de que possam ser acusados tais países, tratados no Ocidente como integrantes do Eixo do Mal.
Por outro lado, atribuindo-me a publicação de uma mentira, era de se esperar que a Conib apontasse uma agência independente que tivesse isentado Israel da responsabilidade pela explosão do Hospital Al Ahli. Não o fez: acusou fake news do nada, usando o verbo no impessoal “verificou-se”.
Se houve uma grande mentira em relação a essa explosão, que matou centenas de pessoas, foi a que Israel se apressou em divulgar, de que teria sido causada por foguete disparado pela Jihad Islâmica, para o que se utilizou de vídeo que investigação do New York Times comprovou não ter relação com o fato. Depois, divulgou áudio de dois supostos integrantes do Hamas, que o canal britânico Channel 4 informou ser falso, produzido em estúdio mediante diversos processos de edição e alteração de voz.
Por outro lado, é significativo que, como consta em publicação dos Médicos Sem Fronteiras, “Nos dias que antecederam o incidente, o diretor do hospital recebeu avisos de Israel.”
Na publicação feita por essa insuspeita organização, há informações esclarecedoras sobre os sistemáticos ataques de Israel a hospitais, ambulâncias e profissionais da saúde. Dou um exemplo:
31 de março – Um ataque aéreo israelense atingiu o pátio do complexo hospitalar de Al-Aqsa, apoiado por MSF, onde, nos arredores do pronto-socorro, muitas pessoas deslocadas internamente estavam abrigadas. Muitas pessoas foram mortas ou ficaram feridas. Após o ataque, parte da equipe de MSF teve que parar de prestar atendimento.
1º de abril – Após uma operação de 14 dias das forças israelenses dentro e ao redor do Hospital Al-Shifa, o hospital ficou em ruínas e fora de serviço. Uma clínica de MSF nas proximidades da unidade de saúde também foi bastante danificada. Centenas de pessoas foram mortas, incluindo membros das equipes de saúde, e detenções em massa de equipes médicas e outras pessoas ocorreram dentro e ao redor do hospital.
Segundo dados levantados pela Organização Mundial da Saúde e pelo Fundo de População das Nações Unidas, reunidos em abril de 2024, dos 36 hospitais existentes em Gaza, que atendiam cerca de 2 milhões de pessoas, apenas 10 funcionavam de algum modo, com importante limitação em relação à capacidade de prestação de serviços, em descompasso ao considerável aumento de pacientes. Ainda, dos 80 estabelecimentos de Atenção Primária em Saúde existentes em Gaza, apenas 20 tinham ainda alguma condição de funcionamento. No norte de Gaza, 75% dos hospitais e 100% dos estabelecimentos de Atenção Primária em Saúde estavam sem condições de funcionar. Cerca de 493 profissionais de saúde haviam sido mortos.
Esses dados coincidem com declaração feita pelo médico canadense Ben Thomson, que publiquei em 16 de dezembro de 2023 (a Conib mencionou somente com meu comentário, e ignorou a fala):
Estamos chegando a um ponto sem retorno, em que o flagrante desrespeito pelas leis do direito humanitário internacional ferem nossa consciência coletiva. Até esta manhã 283 profissionais de saúde em Gaza foram mortos. Os últimos dois meses foram o conflito mais mortal da história das Nações Unidas, com 133 dos seus funcionários mortos. Houve 212 ataques às instalações de saúde em Gaza desde 7 de outubro. Isso inclui 24 diferentes hospitais, que foram bombardeados por Israel, mais de cem ambulâncias que foram colocadas fora de serviço. Israel prendeu dezenas de médicos. O paradeiro deles permanece desconhecido. O chefe do hospital principal, o Hospital Shifa da cidade de Gaza, Mohammed Abu Salmiya, está sob prisão israelense desde 22 de novembro. Muitos outros médicos chefes continuaram detidos pelos militares israelenses or quase duas semanas sem acusações e sem ninguém saber o paradeiro deles. Hospital da Subespecialidade Pediátrica de Al Rantisi: bombardeado. Hospital Pediátrico Al-Nasr: bombardeado. O único hospital ocular de Gaza: bombardeado. O único hospital de saúde mental de Gaza: bombardeado. Hospital de Reabilitação Al-Wafa: bombardeado. Instalações para idosos imediatamente adjacentes ao Hospital de Reabilitação Al-Wafa: bombardeadas. Hospital Infantil Al-Durrah: alvejado com o proibido fósforo branco. 12 de outubro. Hospital Indonésio, o único hospital atualmente operando no norte, ainda tentando tratar pacientes enquanto é bombardeado. Hospital Al-Shifa: bombardeado. As duas escolas de medicina em Gaza: a Universidade Islâmica de Gaza, bombardeada; Escola de Medicina da Universidade de Al-Azhar, bombardeada. Comboio de ambulâncias dos Médicos Sem Fronteiras: bombardeado. Comboio de ambulâncias da Cruz Vermelha: bombardeado. Dos 35 hospitais de Gaza, até esta manhã, 26 não estão funcionando, nove continuam apenas parcialmente funcionais. Mas eles estão operando com mais do que o dobro da sua capacidade, com a escassez crítica de suprimentos básicos e combustível. Essas instalações também estão oferecendo abrigo para milhares de pessoas deslocadas internamente. A Sociedade Crescente Vermelho Palestina anunciou ontem que as operações de suas ambulâncias no norte de Gaza foram interrompidas devido ao esgotamento de combustível e ao fechamento de hospitais. Agora é impossível evacuar os feridos no norte. Em vez disso, esses pacientes são deixados para morrer. Até esta manhã mais de 17 mil palestinos foram mortos, incluindo mais de sete mil crianças. Há pelos menos 46 mil pessoas feridas, milhares delas gravemente feridas. Não há espaço hospitalar suficiente para tratar até mesmo uma fração desses pacientes. Abrigos das Nações Unidas superlotados tornaram-se criadouros que espalham doenças infecciosas, incluindo um surto de hepatite, múltiplos surtos de meningite, piolhos, infecções de pele e múltiplos surtos de doenças diarreicas. O Gabinete de Direitos Humanos das Nações Unidas declarou em 5 de dezembro que o padrão de ataques que visam a infraestrutura civil levanta sérias preocupações com o cumprimento por Israel do Direito Humanitário Internacional e aumenta o risco de crimes de atrocidade. Houve um número imensurável de violações da Proteção Especial para Civis, Crianças e Corpo Médico e violações generalizadas ao Direito Humanitário Internacional.
Assim, o único episódio em relação ao qual a Conib efetivamente atribuiu fake news se encaixa numa situação de infindáveis bombardeios e destruição do sistema de saúde, com o assassinato de milhares de pessoas, entre as quais parcela considerável é de profissionais da saúde e de doentes internados.
V – Acusações sem fundamentação
Se a retórica das “muitas fake news” se limitou a um único episódio, cuja falsidade não conseguiu comprovar, a Conib fez proliferar, ao longo de suas petições, reproduções de palavras que utilizei em minhas publicações, sem nunca dizer o que as torna mentirosas ou, como a acusação é de ódio e racismo, qual é a carga de antissemitismo nelas contida.
Começou com “civilização v. barbárie”, em que nem ao menos o nome de Israel foi mencionado, e seguiu desfiando palavras entre aspas e negritadas, sem dizer o motivo de estarem ali. Parece bastar amontoá-las em sua petição, para automaticamente se tornarem antissemitas. Escrevi “genocídio”? Antissemitismo. Escrevi “Judeus são assassinados, palestinos morrem”? Antissemitismo. Escrevi “Israel assassinava mais uma criança palestina”? Antissemitismo.
Não há tempo nem espaço para responder ponto por ponto, palavra por palavra. Também não faria sentido eu assumir o encargo da comprovação, argumentando que ali não há antissemitismo, se, invertendo regra processual elementar, que configura inépcia, a Conib não se preocupou, ao apresentar a reclamação, em explicar onde ele está.
Nas suas petições, tudo é antissemitismo: é antissemitismo porque é, porque qualquer oposição ao banho de sangue praticado por Israel é antissemitismo.
Farei, de qualquer maneira, a análise de algumas passagens, para demonstrar não só a inexistência de antissemitismo como também a desonesta manipulação dos meus escritos.
VI – Análise das acusações
Seguem nove situações trazidas nas petições pela Conib, seguidas de meus comentários.
1) Escrevi “(…) Israel anuncia o banho de sangue que praticará” (p. 8), e a Conib afirmou “(…) Sua Excelência faz referência ao ‘banho de sangue que [Israel] praticará’ (…)” (p. 7 – os negritos nas transcrições serão sempre das petições da Conib). Numa, como se verá, reiterada prática de alterar o conteúdo de minha fala pela supressão de palavras, o que eu dizia ser anúncio de Israel, passa a ser uma imputação minha.
Não inventei o anúncio: ele veio por inúmeras declarações feitas na época por autoridades israelenses. Cito apenas duas, ocorridas antes da minha escrita. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu declarou: “Vamos transformar Gaza numa ilha deserta. Aos cidadãos de Gaza, eu digo: vocês devem partir agora. Iremos atacar todos e cada um dos cantos da faixa.” Já o ministro de defesa, Yoav Gallant, disse: “Nós estamos combatendo contra animais humanos e estamos agindo em conformidade com esse contexto”.
Devo acrescentar que não só autoridades israelenses falaram assim. Em Porto Alegre, no programa Hora Israelita, apoiado pela Federação Israelita do Rio Grande do Sul, Deborah Srour chamou os palestinos de animais, disse que não há inocentes em Gaza e defendeu o extermínio de sua população. A fala escandalosa não motivou nenhuma reação por parte dos responsáveis, e no programa seguinte ela ratificou sua incitação ao extermínio, o que levou ao tardio cancelamento do programa pela Rede Bandeirantes.
A Federação Israelita, que até aí havia permanecido em conveniente silêncio, publicou nota em que acusou a emissora de praticar censura. Embora tenha dito na mesma nota que a comentarista foi desligada, seu nome permanece sendo informado como correspondente do programa.
2) “Judeus são assassinados, palestinos morrem; simples assim.” (p. 12). Esta frase serve de chamada para o compartilhamento de texto que escrevi, intitulado Harvard e o Anchieta, contra a tentativa de calar um professor de História que, no exercício da liberdade de cátedra, não se alinhou incondicionalmente a Israel. É apenas mais um exemplo do esforço feito pelo sionismo em nível internacional para calar, pela acusação de antissemitismo, quem denuncia o genocídio e até mesmo quem busca manter uma posição de não alinhamento automático a Israel.
Não é de admirar que a Conib, preocupada apenas com produzir uma maçaroca acusatória, não tenha alcançado o conteúdo crítico da fala, contrário à objetificação dos palestinos.
Recomendo a leitura integral da postagem, mas, para não estender por demais a resposta, transcrevo somente o parágrafo do qual a fala foi retirada: “É assim: os israelenses mortos têm nomes e rostos, mais ocidentais que semíticos: rostos brancos como os dos alunos de qualquer colégio de ricos de Porto Alegre; os palestinos mortos são números, não mais que isso. Judeus são assassinados, palestinos morrem: simples assim.”
Mas não se verá, seja na imprensa, seja nos tribunais, acusação de racismo por manifestações contra os palestinos, mesmo contra quem os coisifica e deseja sua morte.
E, no entanto, o racismo presente nessa falsa democracia, bem retratada mesmo por historiadores judeus, como Shlomo Sand e Ilan Pappé, fica muito claro numa análise dos livros didáticos, como se vê em Ideologia e propaganda na educação: a Palestina nos livros didáticos israelenses, da também judia Nurit Peled-Elhanan, publicado pelas editoras Boitempo e Unifesp. Transcrevo, do prefácio à edição brasileira:
Em Israel, os livros didáticos ensinam que a única lógica pertinente às relações entre a maioria judaica e as minorias palestinas é a da eliminação cultural e física dos palestinos. Tais livros reproduzem e legitimam a alterização social de minorias árabes, promovendo assim o chamado “racismo de elite” – um racismo ditado de cima para baixo e inculcado através de livros didáticos, artigos, discursos parlamentares e cultura. Esse racismo se inscreve em práticas de violência, desprezo, intolerância, humilhação e exploração, em discursos e representações que exprimem a necessidade “de purificar o corpo social, de preservar ‘a própria’ ou ‘a nossa’ identidade de todas as formas de mistura, miscigenação ou invasão, articuladas em torno de estigmas de alteridade – nome, cor de pele, práticas religiosas. (p. 22).
3) Escrevi “Chegaram, invadiram, roubaram, mataram. Estão terminando o serviço. E ninguém os para” (p. 15).
Diz a Conib que aqui há “(…) clara referência aos judeus, à criação do Estado de Israel e ao ataque terrorista de que foram vítimas, afirmando em última instância que os judeus chegaram, invadiram, roubaram e mataram e agora os judeus estão ‘terminando o serviço’.” (p 12).
A precipitada inclusão dos judeus como alvos da minha frase é nova demonstração da má-fé de quem, para alcançar seus fins políticos, não traça distinção entre judeu e sionista.
Quanto aos verbos “invadir”, “roubar” e “matar”, evidentemente aludiam ao mapa da Palestina em 1947, por mim compartilhado. Seu uso pressupõe uma informação histórica, sempre obliterada pelos sionistas: a de que, no início do século XX, os judeus nativos da Palestina não chegavam a 10% da população local e viviam em paz com a maioria palestina, que nunca os hostilizou; de que a colonização massiva decorreu do projeto sionista, movimento então recém criado; de que, sob o patrocínio do Barão de Rothschild e o apoio do Império Britânico, passaram a ocupar terras palestinas; de que a partir de então passaram a expulsar palestinos nativos de suas terras, pela ação de – pasmem – grupos terroristas; de que a criação do Estado de Israel ocorreu sob a iniciativa das potências ocidentais, inclusive para se livrarem dos sobreviventes judeus na Europa após a guerra (os Impérios do Ocidente, em particular o Reino Unido, fizeram aqui o famoso cumprimento com chapéu alheio); de que isso aconteceu contra a vontade dos palestinos nativos, que perderiam – e perderam – suas terras, e dos demais árabes; e, principalmente, de que Israel foi aos poucos tomando as terras dos palestinos, a iniciar pela Nakba, e nunca mais parou. Para isso, jamais teve pejo de ignorar as resoluções da ONU que buscavam lhe impor limites e assegurar fosse observado o mapa de 1948.
Para evitar que minhas palavras sejam novamente distorcidas, declaro aqui que tenho a existência do Estado de Israel como fato consumado, mas, ainda que, numa concessão, desconsidere o “invadir” e o “roubar” em relação ao período anterior a 1948, reafirmo que roubou as terras que ocupou depois disso, embora pela resolução de partilha pertencessem aos palestinos. Quanto ao verbo “matar”, nem é necessário fazer comentários: basta assistir ao noticiário diário, ainda que nele o “foram mortos” seja substituído pelo “morreram”.
4) A Conib me acusa por ter escrito “enquanto você lia, Israel assassinava mais uma criança palestina.” (p. 17).
Minha frase, contida em texto publicado em 16 de novembro de 2023, foi feita dias após declaração do diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, no Conselho de Segurança da ONU, de que uma criança era morta em Gaza a cada dez minutos. Ou seja, o tempo de leitura de um texto curto como o meu era o tempo que Israel levava para matar uma criança.
Escrevi pouco mais de um mês após iniciado o ataque. Agora, passados oito meses, o total de crianças mortas sobe a dezenas de milhares. Segundo dados do Fundo de População das Nações Unidas, até maio de 2024 morreram 36.036 pessoas. Dessas, 70% são mulheres e crianças. Ainda, de acordo com a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina, cerca de 10 crianças são mutiladas por dia em Gaza, perdendo, no mais das vezes, uma ou duas pernas.
5) Diz a Conib que eu somo “ao vasto repertório de desqualificação e denegrição do Estado de Israel” esta afirmação: “EU DIGO que ISRAEL É UM ESTADO CRIMINOSO”. (p. 67).
Nova alteração: nunca, em contexto nenhum, meus textos são escritos com maiúsculas, a chamada caixa alta (também não em negrito). Isto é um recurso para quem não tem argumentos, e precisa gritar. Ou, como ocorre aqui, para quem quer atribuir a outrem um destempero que não acharão em mim.
Quanto ao conteúdo da afirmação, “Israel é um Estado criminoso”, não é necessário repetir palavras: a presente manifestação, lida em sua íntegra, demonstra isso.
6) Depois: “Recentemente, prorrompeu o magistrado em verdadeira CONCLAMAÇÃO, INSUFLANDO UMA ASSIM CHAMADA LUTA CONTRA ‘DIRIGENTES DO ESTADO TERRORISTA DE ISRAEL’”. (p. 71).
Novamente a Conib colocou meu texto em negrito e caixa alta, mas, pior do que isso, alterou meu chamado a lutar contra o genocídio, transformando-o em insuflação contra os dirigentes do Estado de Israel. Escrevi assim: “precisamos seguir, lutar contra o genocídio, mesmo sabendo que os dirigentes do Estado Terrorista de Israel não serão – por ora – levados a Nuremberg”.
Ademais, a referência à cidade em que foram julgados os criminosos de guerra nazista nada tem de insuflação, seja porque escrevi que “por ora não serão levados”, seja porque a acusação por crimes de guerra, se ocorrer, seguirá o devido processo legal e não partirá de nenhum ser insuflável.
Para melhor aquilatar o que então escrevi, transcrevo na íntegra:
Me sinto um pouco como diz Salem Nasser: “Quantos de nós têm dito que evitam o contato com as notícias sobre Gaza, especialmente aquelas que nos contam das crianças que morreram, as que perderam os pais, as que lutam pela vida nos hospitais destruídos?”
Segue ele: “Eu também, já não quero escrever sobre a Palestina e suas crianças se o meu texto não tiver o poder e o efeito de despertar o mundo. Se eu não encontrar as palavras justas para mostrar em sua inteireza o drama, as palavras que preenchessem cada consciência com o peso das imagens cruas, nuas, da nossa vergonha, então de que serve escrever?”
E no entanto precisamos seguir, lutar contra o genocídio, mesmo sabendo que os dirigentes do Estado Terrorista de Israel não serão – por ora – levados a Nuremberg, porque as potências dominantes não deixam.
A mera leitura dessa transcrição dá conta do grau de perversidade contido na presente reclamação, em que defender crianças vítimas do morticínio vira antissemitismo.
Convém assinalar que, como adiante detalharei, Israel responde hoje a acusação de genocídio perante a Corte Internacional de Justiça.
7) Compartilhei publicação de um vídeo que iniciava com esta legenda: “Essa é uma das maiores fraudes da história. Uma campanha de propaganda para justificar a aniquilação de Gaza. Bebês decapitados? Esqueça tudo o que ouviu sobre o 07 de outubro.”
Partindo desse texto, a Conib escreve que conclamei “o público em geral para que ‘esqueça tudo o que ouviu sobre o 07 de outubro’, pois tudo não passaria de uma das ‘maiores fraudes da história’.” Na sua prática desonesta de alterar o sentido das frases, própria da propaganda de guerra de Israel, convenientemente usou “esqueça tudo o que ouviu sobre o 07 de outubro”, ocultando a frase anterior, que, incluída, mudaria o sentido: “Bebês decapitados? Esqueça tudo o que ouviu sobre o 07 de outubro.”
Devo esclarecer que o escrito não é da minha autoria, mas consta ao início de vídeo por mim compartilhado, em que Jeremy Scahill, jornalista investigativo, fundador do The Intercept, desmascarou as mentiras difundidas por Israel logo após o 7 de outubro, acerca de bebês decapitados, mulheres estupradas, corpos mutilados, tortura de famílias, execução em massa de crianças pequenas e incineração de crianças.
A fala integral é esta:
E poucas horas depois destes ataques terem acontecido, o governo Netanyahu começou a elaborar uma campanha de propaganda muito deliberada para vender aos Estados Unidos, a outros líderes ocidentais e ao público global uma guerra de aniquilação de terra arrasada contra Gaza. E esta campanha entrou em alta velocidade, imediatamente. E o que eles fizeram, o que foi central para isso, foi que os israelenses começaram a mostrar ao presidente Biden, ao secretário de Estado Blinken, aos chefes de estado dos países da OTAN e de outras nações ocidentais, imagens e vídeos que eles então passaram a contar uma história não verificada sobre o que eles retrataram. E a caracterização de Netanyahu e do Ministro da Defesa Yoav Golan foi que este foi o maior ato de violência contra o povo judeu desde o Holocausto, que as táticas utilizadas pelo Hamas incluíam estupro, decapitação de bebês, mutilação de corpos, tortura de famílias, amarração de crianças em grupos, inclusive numa creche de um dos kibutzes, e depois participando na execução em massa de crianças pequenas, incendiando-as. E o Presidente Biden, o Secretário Blinken e muitos líderes ocidentais começaram então a repetir estas afirmações. Mas o que aconteceu é que quando a Agência Israelense de Segurança Social começou a documentar efetivamente as mortes no dia 11 de Outubro, documentou 1.139 mortes, 695 das quais eram civis. E começamos a revisar a documentação pública das mortes. Acontece que apenas uma criança foi morta em todos os ataques combinados de 7 de outubro, um bebê de nove meses chamado Mila Cohen. E ela foi atingida por uma bala durante um tiroteio enquanto estava nos braços da mãe. Houve também, acho que houve, 36 crianças com menos de 19 anos que morreram naquele dia. 14 delas foram mortas em ataques com foguetes do Hamas. Então, quando os jornalistas começaram realmente a olhar para o número oficial de mortos – e você pode ver, os israelenses publicaram as histórias, as fotos de muitas, muitas, muitas das vítimas – você percebe que tudo isso era mentira. Foi uma fraude massiva perpetrada no mundo, especialmente neste negócio de decapitação em massa de bebés. E Joe Biden, em diversas ocasiões, disse que viu evidências fotográficas reais da decapitação de bebês e do ataque e queima viva com querosene de famílias inteiras. E o que descobri na minha investigação foi que estas histórias parecem ter acabado nas cabeças de Biden e Blinken e de outros, com base na versão totalmente fraudulenta dos acontecimentos de 7 de Outubro que foi oferecida por grupos ortodoxos privados de operações de salvamento. O mais famoso deles é Zaka contando histórias sobre uma mulher grávida que teve um feto arrancado de seu corpo, e depois o feto foi decapitado na frente da mulher e de seus dois filhos. Não há nenhuma evidência que indique que isso aconteceu. Na verdade, não há documentação de que alguma mulher grávida tenha morrido no dia 7 de outubro. Houve uma mulher grávida que foi baleada enquanto estava em seu carro a caminho do parto. Ela era uma mulher beduína e os médicos conseguiram salvar sua vida. Eles tentaram fazer o parto do bebê. O bebê morreu algumas horas depois. Mas não foi o Hamas que cortou o estômago de um bebé. E, no entanto, essas mentiras foram vendidas, e algumas das coisas mais obscenas que Israel disse e que agora sabemos serem falsas foram repetidas por Anthony Blinken, o Secretário de Estado dos EUA, em depoimento perante o Senado, e pelo próprio Joe Biden. E isso continuou indefinidamente. Acabei de dar alguns dos exemplos mais explícitos disso, mas o que está claro é que o governo israelense entendeu que precisava vender isso como o pior crime contra a humanidade nos tempos modernos, a fim de justificar um cerco, há muito planejado, de Gaza, que Benjamin Netanyahu representa a versão mais extrema e violenta do projeto de Estado israelense. E está muito, muito claro que eles venderam esta fraude e a Casa Branca lavou-a. E é por isso que vimos – e penso que 27 mil pessoas mortas em Gaza é uma estimativa conservadora. Penso que é muito maior do que isso, porque há cerca de 7 mil ou 8 mil palestinos desaparecidos, muitos deles em túmulos que são os escombros da sua antiga casa. Portanto, esta é uma das fraudes mais épicas da história moderna, uma reminiscência das mentiras contadas para justificar a invasão e ocupação do Iraque.
Convém acrescentar que The Intercept, em parceria com Al Jazeera, fez minucioso trabalho investigativo sobre o que aconteceu naquele dia, o que pode ser visto também em matéria escrita. Extraio da matéria: “Para Marc Owen Jones, professor de estudos do Oriente Médio e analista de mídia entrevistado no filme, essas atrocidades inventadas têm uma função importante: enfatizar a brutalidade. ‘Se você consegue provocar o sentimento de repulsa nas pessoas, acho que elas ficam mais propensas a apoiar, por exemplo, uma retaliação terrível contra os palestinos’, diz Jones.”
8) Na mais recente petição (p. 90-3), a Conib queixou-se do compartilhamento de mensagem que dizia “Minha vó mandou desamigar de todos que defendem Israel” e do meu texto que se seguiu, intitulado “A avó da Silvana Moura”. Não lhe agradou que eu escrevesse “a avó da Silvana Moura mandou eu levantar da mesa”, “sionista cheiroso” e “sionista educado”, “que desamigar é ‘um ato de rejeição’” e “vêm os caras dizendo que no Holocausto foram seis milhões, e em Gaza mal chegou a 30 mil”. Também se queixou do escrito final: “2) Não tenho paciência para discutir se a avó da Silvana deveria trocar Israel por sionismo, para não parecer antissemita ou inimiga do Estado de Israel. Este texto é sobre genocídio, e espero que os judeus dignos – e há muitos – se posicionem sem rodeios”. (Como já advertido, todos os negritos são da Conib.)
Mais um exemplo do peticionamento de guerra, em que não interessa o conteúdo de um texto, mas a extração de fragmentos, que, isolados, possam ser usados de modo distorcido. O texto é de fácil acesso, e recomendo a leitura na íntegra, mas acrescento dois comentários: primeiro, reafirmo que escrevi sobre genocídio, e acrescento que alguém vir com a acusação de antissemitismo nessas circunstâncias é de uma crueldade sem limites; segundo, a menção ao número de judeus mortos no Holocausto é justamente a crítica a quem, carregando como troféu o sofrimento dos antepassados, se sente autorizado a cometer qualquer atrocidade, dada sua presunção de que o mundo tem a obrigação de tolerar seus malfeitos, por serem menores que seu próprio sofrimento.
9) Termino com um dos primeiros fatos trazidos: “E neste mesmo dia 08 de novembro de 2023, o magistrado republica em seu perfil a informação de que Ahed Tamimi, ‘ativista palestina’, foi presa por Israel’, bem como que seu ‘primo já levou tiro na cabeça por soldados de Israel’”.
Como sempre, não há argumento. Poderia dizer que Tamimi é criminosa, afinal, como tantas crianças palestinas, foi presa por Israel quando era ainda adolescente; poderia dizer que seu primo não levou tiro. Não disse nada: apenas noticiou a publicação.
Trata-se de um vídeo. E no vídeo Tamimi diz:
Viver sob ocupação, mesmo sem ir para a prisão, nós perdemos a nossa infância, perdemos nossa juventude, perdemos nossas vidas inteiras. Não são somente esses que vão para a prisão, ou os que são feridos que sofrem. Deixe eu te dizer algo: se eu tivesse todas as bênçãos do mundo, mas ainda vivesse aqui, sob a ocupação, eu ainda perderia minha infância, minha vida, minha juventude. Porque a ocupação não é algo de se viver sob. Viver sob a ocupação é acordar de manhã e ver assentamentos com colonos em sua terra. É sentir o calor do verão, mas nunca ter permissão de ir à praia, que fica a apenas meia hora de distância da sua casa. Viver sob a ocupação é ter todos os seus sonhos ameaçados desde a sua infância. Por exemplo, você quer ser um jogador de futebol, ou então um atleta, mas você leva um tiro no pé e perde esse sonho. A ocupação destrói absolutamente tudo, afeta absolutamente tudo.
VII – O Hamas
Na sua implacável vigilância – chega a fiscalizar o tempo que fiquei sem publicar –, a Conib cobra meu silêncio em relação ao Hamas. Talvez não tenha visto, mas publiquei, como comentário, em publicação mencionada em sua reclamação:
Bom, a gente pode discutir o que é genocídio, mas precisa estudar antes. Eu defendo a autodeterminação dos povos. Ideologicamente, estou no polo oposto do Hamas, grupo fundamentalista de direita, que em sua origem foi estimulado por Israel, para enfraquecer a OLP, e o que eles fizeram foi um massacre, mas não foi genocídio. Genocídio foi uma prática de que os judeus foram vítimas sob o nazismo. Podemos até concluir que o apartheid praticado por Israel, na sua política de roubar as terras dos palestinos, (ainda) não é genocídio, mas o ataque agora anunciado em muito se aproxima disso. Para concluir, três coisas: 1) posso não concordar com o modo como vivem os palestinos, mas eles têm o direito de se autodeterminarem e se defenderem do agressor; 2) para eu respeitar quem agora reclama que olhei só para um lado, deveria ao menos saber que essa pessoa se indignou todas as vezes que Israel massacrou palestinos (lembremos só de Sabra e Chatila); 3) que paridade pode haver entre uma das maiores potências militares do mundo (protegida pela maior potência) e um povo que não tem nem água ou energia elétrica? Por fim, não estamos falando de algo que já aconteceu, e pode ser condenado, mas de algo que foi anunciado e vai acontecer, e por isso pode(ria) ser evitado. Então pergunto: quantos palestinos vocês acham razoável que Israel mate agora? Quantos hospitais pode destruir? Quantas casas? É disso que estamos tratando.
Como se pode ver hoje, foi uma fala premonitória.
Para os fins desta reclamação, acrescento: 1) não havia terrorismo palestino no início do século XX, quando as organizações sionistas Irgun e Lehi passaram a praticar terrorismo na Palestina; 2) não havia terrorismo palestino quando essas organizações explodiram o Hotel Rei Davi em 1946, matando 91 pessoas; 3) do mesmo modo não havia terrorismo palestino quando ocorreu o massacre de Tantura, sobre o qual recente documentário, dirigido pelo judeu Alon Schwarz, traz relatos horrendos de soldados israelenses sobre estupros, fuzilamentos e mortes com lança-chamas, entre outras atrocidades, como se pode ver de dois depoimentos destacados.
Mais: apontar a ação do Hamas em 7 de outubro como motivo único do conflito é ignorar o plano de longo prazo de Israel de tomar as terras palestinas. Sobre isso, é esclarecedora fala de Netanyahu gravada em 2001, em que dizia, em relação aos palestinos: “O principal é, antes de tudo, atacá-los não apenas uma, mas várias vezes, de forma dolorosa, para que o preço que eles paguem seja insuportável.”
O Holocausto palestino não é, portanto, culpa do Hamas, mas algo desde sempre previsto, como modo de expulsá-los e lhes tomar as terras; exigir, como a Conib faz, que se fale do Hamas, é um modo de desviar os olhos do genocídio e dos crimes de Israel.
Quem também respondeu ao argumento de olhar os dois lados foi a jornalista Heloísa Villela, que depois do 7 de outubro foi à Cisjordânia. Compartilhei sua fala em 31 de outubro de 2023:
Você tentar estabelecer uma equivalência entre os dois lados, como se os dois lados tivessem a mesma capacidade, por exemplo, de luta, o mesmo preparo bélico; obviamente que não têm. Israel tem um dos exércitos mais bem preparados do mundo, com as armas mais modernas, e claro que os palestinos nem exércitos têm. E quando a gente vê também outro tipo de tentativa de estabelecer equivalência – por exemplo, há uma matéria que começa com uma mãe israelense chorando e uma mãe palestina chorando –, acho que só haveria honestidade nesse tipo de coisa se você pudesse botar sete mães palestinas e uma israelense, porque a proporção está essa, de sete para um em número de mortos. Eu tinha alguma ideia de que a vida dos palestinos aqui na Cisjordânia, não estou nem falando em Gaza, que está cercada há 17 anos, mas aqui na Cisjordânia, não fosse muito fácil. E quando eu comecei a circular pelas estradas e ver como é que é, eu acho que isso que foi me deixando numa situação aqui que eu acabei falando coisas com muito mais veemência do que eu teria falado se eu não estivesse aqui. Aí vai o ponto de vista. Você vê a população cercada por muros, vigiada o tempo todo por torres de observação, submetida a incursões militares no meio da madrugada, sem mandado de busca, sem nenhuma explicação, sem nenhum motivo, ninguém sabe por que as pessoas estão sendo presas o dia inteiro. Olha essa parede que eles constroem, olha esse tipo de operação que acontece toda a madrugada quase. Agora então, depois que começou a guerra em Gaza, é toda a noite. E a gente vem vendo aí cada vez um número maior de presos, cada vez um número maior de mortos aqui na Cisjordânia por causa desse tipo de operação arbitrária, sem nenhum tipo de justificativa. Então é claro que a gente começa a ver o ponto de vista deles, porque viver dessa maneira não pode ser fácil. Você está do lado de cá desse muro, do lado de lá tem uma área verde que era a área onde você brincava quando era criança, onde as famílias ali dessa região cultivavam juntas. Lá no fundo agora surgiu um assentamento de colônias de judeus ilegal, porque se é terra palestina não tinha nada que ter assentamento. Ou seja, é uma vida sufocante, sem perspectiva, a economia que não pode andar porque o Estado de Israel não permite que a economia palestina ande, porque ele controla até a água, não deixa chegar a água para cultivo. Eu conversei com um cara que a família dele plantou melancia a vida inteira quando ele era pequeno, agora não consegue plantar nada. O exército entra, destrói a rua que acabou de ser calçada, como vocês estão vendo aí, para quê? Para tornar a infraestrutura sempre pior e a qualidade de vida impossível e o dia a dia dessas pessoas impossível. Então a gente acaba realmente… Olha essa cena que aconteceu em Jenin, naquele campo de refugiados que eu fui. Isso aí era um memorial para aquela jornalista palestina que foi assassinada no ano passado em maio e que já ficou determinado pelas investigações que foi o exército de Israel que a matou, apontou para ela. Ontem esse rapaz morreu ali naquele local, no mesmo lugar, e o memorial que foi feito para ela foi todo destruído. E a rua que tinha sido calçada recentemente, eles entraram lá com mais máquinas e destruíram todo o calçamento da rua, gente. É assim. É assim que essas pessoas vivem. Então realmente é complicado a gente não entender a revolta dessas pessoas, né?
VIII – Crítica ao sionismo não é antissemitismo
O judeu Breno Altman faz uma didática distinção entre ser judeu e ser sionista, em Contra o sionismo: retrato de uma doutrina colonial e racista, publicado pela Editora Alameda:
Ser judeu está relacionado ao pertencimento a uma etnia, a uma herança cultural ou até mesmo a uma religião. Ser sionista é apenas aderir a uma corrente política do judaísmo, a essa corrente vinculada ao pensamento de Theodor Herzl, que defende a criação de um estado judeu. Assim, não se pode confundir o sionismo com o judaísmo, da mesma maneira que não se pode confundir antissionismo, que é quem combate a corrente liderada por Theodor Herzl, com o antissemitismo, que é a discriminação racial contra os judeus. (p. 17).
Nas minhas publicações recentes há várias que reproduzem falas de judeus condenado as ações de Israel, todas ignoradas pela Conib em sua reclamação.
Segue declaração de Gideon Levy, jornalista, membro do Conselho Editorial do jornal Haaretz, publicada em 26 de novembro de 2023:
Eu sou israelense. Eu nasci em Israel. Até me considero um patriota israelense. Eu me importo com Israel. Eu pertenço a Israel. Estou apegado a Israel. Não fale em simetria, porque não existe simetria. Eu até sugeriria que não há conflito. Houve um conflito franco-argelino? Houve uma brutal ocupação francesa na Argélia, que chegou ao fim. E não há conflito israelo-palestino. Há uma ocupação israelita brutal, que deverá chegar ao fim de uma forma ou de outra. No nosso quintal, existe um regime que é hoje, de longe, uma das tiranias mais cruéis e brutais do planeta. E eu sei o que digo, porque cubro isso há 40 anos. E esse regime não pode ser definido senão como um terreno. Dois povos vivem em um pedaço de terra. Um povo tem todos os direitos do mundo, e estou falando agora apenas dos territórios ocupados. Um povo tem todos os direitos do mundo. As outras pessoas não têm nenhum direito. Parece apartheid. Fala como apartheid. É o apartheid. E ninguém pode contradizê-lo. Vá para o Vale do Jordão. Veja a prosperidade nos assentamentos. E depois vá ver os palestinos que vivem lá sem eletricidade, sem água, sem quaisquer direitos. E então me diga se é apartheid ou você pode inventar outro título.
Também declaração de Miko Peled, ativista pacifista, publicada em 4 de fevereiro de 2024:
Mas esta é a primeira vez que ouço que há necessidade de condenar. E diga, sim, mas é claro que há sofrimento, mas primeiro precisamos condenar. Estamos loucos? Condenar a resistência de pessoas que estão sendo oprimidas e mortas, submetidas ao genocídio? Por 75 anos, estamos loucos? Estamos loucos? Quando deixamos esta narrativa ridícula tomar conta, espalhar-se e depois participar dela? Balançando a cabeça como ovelhas. Ah, e a propósito, sim, há um genocídio acontecendo e é terrível. Mas primeiro temos de condenar os palestinos que se atrevem a levantar-se. Palestinos que demonstraram uma capacidade de sacrifício e uma quantidade de coragem que, pelo que me lembro, não tem precedentes. Enfrentando esta opressão horrível. Mas do que estamos realmente falando? Mais uma vez, ouvimos listas e listas e listas de crimes cometidos pelo Estado de Israel. Listas e listas de crimes contra a humanidade. E sempre me parece que há um pouco de surpresa. Um pouco de choque. Um pouco como se isso não fosse previsível. O que estamos a ver agora em Gaza não era apenas previsível, era evitável. E não impedimos isso. O massacre anterior em Gaza também era previsível. E isso não foi impedido. E podemos continuar indefinidamente até 75 anos atrás. Porque o que se poderia esperar de um regime de apartheid estabelecido após uma campanha massiva, uma campanha massiva aberta de limpeza étnica, massacres e o início de um genocídio que ainda hoje continua? O que poderia ser esperado?
Muitos judeus, incluindo comunidades religiosas, sempre foram contrários ao sionismo. Nesse caso, a valerem as acusações da Conib, teríamos aqui um estranho caso de judeus antissemitas.
Nunca é demais lembrar que judeus ilustres, como Freud, Einstein e Hannah Arendt, esta última com passagem pelo sionismo, do qual se desvinculou, revelaram em vários momentos seu ceticismo, para não dizer contrariedade, em relação aos rumos seguidos pelo movimento sionista e, já morto Freud, pelo Estado de Israel.
Freud escreveu, em 26 de fevereiro de 1930, a seguinte carta a Chain Koffler, membro do Comitê pela Reinstalação dos Judeus na Palestina, em resposta a um pedido de apoio:
Não posso fazer o que o senhor deseja. Minha dificuldade em interessar o público por minha personalidade é impossível de superar e as circunstâncias críticas atuais não me parecem favorecer essa empreitada. Quem quer influenciar o maior número de pessoas deve ter algo de empolgante a dizer, e isso meu julgamento pouco entusiasmado pelo sionismo não me permite. Tenho com certeza os melhores sentimentos de simpatia pelos esforços consentidos livremente, sinto-me orgulhoso pela nossa Universidade de Jerusalém e me regozijo da prosperidade dos estabelecimentos de nossos colonos.
Mas, por outro lado, não penso que a Palestina possa vir a tornar-se um Estado judaico nem que o mundo cristão, como o mundo Islâmico, possam um dia estar dispostos a confiar seus lugares santos aos cuidados dos judeus. Me pareceria mais sensato fundar uma pátria judaica sobre um solo não conotado historicamente; decerto sei que, para um objetivo tão racional, jamais seria possível suscitar a exaltação das massas nem a cooperação dos ricos. Admito também, com pesar, que o fanatismo irrealista de nossos compatriotas tenha sua parte de responsabilidade no despertar da desconfiança dos árabes. Não posso ter a mínima simpatia por uma piedade mal interpretada que faz de um pedaço de muro de Herodes uma relíquia nacional e, por causa dela, desafie os sentimentos dos habitantes da região.
Julgue o senhor mesmo se, com ponto de vista tão crítico, eu possa ser a pessoa certa para fazer o papel de consolador de um povo perturbado por uma esperança injustificada.
Já Einstein e Hannah Arendt estão entre as mais de duas dezenas de signatários judeus que enviaram carta ao New York Times, publicada em 4 de dezembro de 1948, na qual protestaram contra visita de Menachem Begin aos Estados Unidos. Begin era líder do Partido da Liberdade, precursor do Likud de Netanyahu, que há anos se tornou majoritário em Israel, com essa mesma política denunciada por Einstein e Arendt:
Entre os fenômenos políticos mais perturbadores da nossa época, está o aparecimento, no recém-criado estado de Israel, do “Partido da Liberdade” (Tnuat Haherut), um partido político muito parecido na organização, nos métodos, na filosofia política e no apelo social com os partidos nazi-fascistas. Formou-se a partir dos membros do antigo Irgun Zvai Leumi, uma organização terrorista, de extrema-direita e chauvinista na Palestina.
A atual visita do líder deste partido, Menachem Begin, aos Estados Unidos é obviamente calculada para dar a impressão do apoio americano ao seu partido nas próximas eleições israelenses e para cimentar os elos políticos com os elementos sionistas conservadores nos Estados Unidos. Vários americanos de reputação nacional emprestam os seus nomes para dar as boas-vindas a esta visita. É inconcebível que os que se opõem ao fascismo, em todo o mundo, se é que estão corretamente informados quanto ao registro político e às perspectivas de Begin, possam juntar o seu nome e apoio ao movimento que ele representa.
Antes que haja prejuízos irreparáveis, com contribuições financeiras, manifestações públicas a favor de Begin, e a criação na Palestina da impressão de que há na América um grande segmento que apoia elementos fascistas em Israel, o público americano tem que ser informado quanto ao passado e quanto aos objetivos de Begin e do seu movimento. As declarações públicas do partido de Begin não são de forma alguma indicadoras do seu verdadeiro caráter. Agora falam de liberdade, de democracia e de anti- imperialismo, mas recentemente pregavam abertamente a doutrina do estado fascista. É pelas suas ações que o partido terrorista revela o seu verdadeiro caráter; pelas suas ações do passado podemos avaliar o que podemos esperar no futuro.
Um exemplo chocante foi o seu comportamento na aldeia árabe de Deir Yassin. Esta aldeia, afastada das estradas principais e rodeada de terras judaicas, não tomou parte na guerra e até lutou contra grupos árabes que queriam utilizar a aldeia como sua base. A 9 de abril (The New York Times),bandos de terroristas atacaram esta aldeia pacífica, que não era um objetivo militar no conflito, mataram a maior parte dos seus habitantes – 240 homens, mulheres e crianças – e deixaram vivos alguns deles para os exibirem como cativos, pelas ruas de Jerusalém.
A maior parte da comunidade judaica ficou horrorizada com esta proeza e a Agência Judaica enviou um telegrama de desculpas ao Rei Abdulah da Transjordânia. Mas os terroristas, longe de se envergonharem da sua ação, ficaram orgulhosos com este massacre, deram-lhe ampla publicidade e convidaram todos os correspondentes estrangeiros no país para verem as pilhas de cadáveres e o caos em Deir Yassin. O incidente de Deir Yassin exemplifica o caráter e as ações do Partido da Liberdade.
Na comunidade judaica, têm pregado uma mistura de ultranacionalismo, misticismo religioso e superioridade racial. Tal como outros partidos fascistas, têm sido usados para furar greves e estão apostados na destruição de sindicatos livres. Em vez destes, propõem sindicatos corporativos de modelo fascista italiano. Nos últimos anos de esporádica violência antibritânica, os grupos IZL e Stern inauguraram um reinado de terror na comunidade judaica palestina. Espancaram professores que falavam contra eles, abateram adultos a tiro por não deixarem que os filhos se juntassem a eles. Com métodos de gangsters, espancamentos, destruição e roubos por toda a parte, os terroristas intimidaram a população e exigiram um pesado tributo.
A gente do Partido da Liberdade não tomou parte nas ações de construção da Palestina. Não reclamaram terras, não construíram colonatos, e só denegriram a atividade defensiva judaica. Os seus esforços para a imigração, amplamente publicitados, foram mínimos e dedicados sobretudo a dar entrada a compatriotas fascistas.
As contradições entre as afirmações ousadas que Begin e o seu partido andam a fazer, e o registro do seu comportamento passado na Palestina, não têm a marca de qualquer partido político vulgar. Têm o carimbo inconfundível de um partido fascista para quem o terrorismo (contra judeus, árabes e britânicos, igualmente) e a falsidade são os meios, e o objetivo é um “Estado Líder”.
À luz destas considerações, é imperativo que o nosso país tome conhecimento da verdade sobre Begin e o seu movimento. É tanto mais trágico quanto os líderes de topo do sionismo americano se recusaram a fazer campanha contra os esforços de Begin, e muito menos denunciar aos seus apaniguados os perigos para Israel do seu apoio a Begin.
Pergunto, então, à Conib: é Altman antissemita? São antissemitas Shlomo Sand e Ilan Pappé? Nurit Peled-Elhanan? E Gideon Levy e Miko Peled? São antissemitas os judeus ortodoxos contrários ao Estado de Israel? E os tantos judeus não sionistas? Foram antissemitas Freud, Einstein e Hannah Arendt?
IX – Do genocídio
A Convenção das Nações Unidas para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, de 1948, estabelece, em seu artigo 2º, que “entende-se por genocídio qualquer dos seguintes atos, cometidos com a intenção de destruir no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal: a) matar membros do grupo; b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) submeter intencionalmente o grupo a condição de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio de grupo; e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo”.
Tendo a África do Sul, país que por tantos anos foi submetido ao apartheid, como hoje os palestinos são sob o jugo de Israel, apresentado acusação perante a Corte Internacional de Justiça, esta tomou decisão da qual extraio:
A Corte considera que a população civil na Faixa de Gaza continua extremamente vulnerável. Recorda que a operação militar conduzida por Israel após 7 de outubro de 2023 resultou, nomeadamente, em dezenas de milhares de mortos e feridos e na destruição de casas, escolas, instalações médicas e outras infra-estruturas vitais, bem como no deslocamento em grande escala. A Corte observa que a operação está em curso e que o Primeiro-Ministro de Israel anunciou em 18 de janeiro de 2024 que a guerra ‘durará muitos meses mais’. Atualmente, muitos palestinos na Faixa de Gaza não têm acesso aos alimentos mais básicos, à água potável, à eletricidade, aos medicamentos essenciais ou a tratamento médico.
A Corte considera que, no que diz respeito à situação descrita acima, Israel deve, de acordo com as suas obrigações sob a Convenção do Genocídio, em relação aos palestinos em Gaza, tomar todas as medidas ao seu alcance para impedir a prática de todos os atos dentro do âmbito do artigo II desta Convenção, em particular: (a) matar membros do grupo; (b) causar sérios danos físicos ou mentais a membros do grupo; (c) Infligir deliberadamente ao grupo condições de vida calculadas para provocar a sua destruição física, total ou parcial; e (d) impor medidas destinadas a prevenir nascimentos dentro do grupo. A Corte recorda que estes atos se enquadram no âmbito do artigo II da Convenção quando são cometidos com a intenção de destruir total ou parcialmente um grupo como tal. A Corte considera ainda que Israel deve garantir, com efeitos imediatos, que as suas forças militares não cometam nenhum dos actos acima descritos.
X – Litigância de má-fé
Uma das condutas que a lei processual qualifica de má-fé é a que consiste na alteração da verdade dos fatos (artigos 77, inciso II, e 80, inciso II, do Código de Processo Civil).
Por não estarmos em processo judicial, não cabe, em princípio, a extensão à reclamação disciplinar das sanções decorrentes da litigância de má-fé. Isso, todavia, não impede seja a conduta assim qualificada nesse procedimento, ao menos como advertência, quando a parte não expõe os fatos conforme a verdade.
Aqui, a Conib mostra que, se a primeira vítima da guerra é a verdade, em sua litigância de guerra a verdade igualmente soçobra.
Como assinalei, suas peças invariavelmente distorcem, pela descontextualização, o sentido de minhas falas. Mas essa é a parte menos grave: em diversos momentos, por sutis – ou nem tão sutis – modificações em transcrições, alterou seu conteúdo. Relembro, exemplificativamente, três situações já analisadas, em que isso ficou claro.
Assim, (1) “(…) Israel anuncia o banho de sangue que praticará” foi transformado em “(…) Sua Excelência faz referência ao ‘banho de sangue que [Israel] praticará’”; (2) “precisamos seguir, lutar contra o genocídio, mesmo sabendo que os dirigentes do Estado Terrorista de Israel não serão – por ora – levados a Nuremberg” foi interpretado como “Recentemente, prorrompeu o magistrado em verdadeira CONCLAMAÇÃO, INSUFLANDO UMA ASSIM CHAMADA LUTA CONTRA “DIRIGENTES DO ESTADO TERRORISTA DE ISRAEL”; (3) “Bebês decapitados? Esqueça tudo o que ouviu sobre o 07 de outubro.” foi transformado em “esqueça tudo o que ouviu sobre o 07 de outubro.”
XI – Meu testemunho
Em 4 de novembro de 2023, compartilhei a fala emocionada de uma jovem palestina. Ela peguntava:
Eu só tenho uma pergunta. Nós, os civis, para onde nós temos que ir? Nós fomos para as escolas, eles bombardearam escolas. Fomos para o sul, eles bombardearam o sul. Nós fomos para os hospitais, eles bombardearam os hospitais. Isso é um massacre. É um genocídio! O que vocês estão esperando? O que vocês estão esperando para fazer alguma coisa? Onde está a humanidade de vocês? Se vocês estão falando sobre humanidade, onde está a humanidade de vocês? Mais de 900 pessoas foram assassinadas em apenas um segundo. Uma bomba. Uma bomba matou mais de 900 pessoas. E o único hospital que poderia receber as pessoas que precisam está sem energia elétrica. Onde estão vocês? O que nós devemos fazer? Só estamos perguntando algo simples: para onde nós devemos ir? Onde estaremos seguros? Se segurança é uma palavra, onde está sua definição em Gaza? Onde podemos encontrar segurança?
O judeu americano Noam Chomsky, 95 anos, disse recentemente:
Parte da tragédia dos palestinos é que eles essencialmente não têm apoio internacional por um bom motivo. Eles não têm riqueza, não têm poder, então não têm direitos. (…) Os palestinos podem receber declarações de apoio, mas ninguém vai fazer muito por eles, especialmente quando os EUA ameaçam qualquer um que tente fazer algo.
O judeu francês Edgar Morin, 102 anos, disse:
Eu estou ao mesmo tempo chocado e indignado pelo fato de que aqueles que representam os descendentes de um povo que foi perseguido por séculos por razões religiosas ou raciais, que os descendentes desse povo, que são hoje os tomadores de decisão do estado de Israel, poderiam não só colonizar um povo inteiro, expulsá-lo de sua terra, tentar expulsá-lo para sempre. Mas além disso, depois do massacre de 7 de outubro, envolverem-se em uma carnificina massiva da população de Gaza e continuar, incessantemente, atingindo mulheres, crianças, civis. E ver o silêncio do mundo, dos Estados Unidos, protetores de Israel, o silêncio dos estados árabes, o silêncio dos estados europeus, que afirmam ser os defensores da cultura, da humanidade e dos Direitos Humanos. Acho que estamos vivendo uma tragédia horrível porque também somos impotentes diante dessa coisa que está se desencadeando. E pelo menos eu digo: testemunhe! Testemunhar é a única coisa que resta se não podemos resistir de forma concreta. Vamos resistir! Não podemos nos enganar, não vamos esquecer. Coragem para encarar de frente!
Esta resposta à Confederação Israelita do Brasil é o meu testemunho.
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