Mais plástico que peixes

Em 2050, haverá mais plástico que peixes nos oceanos. Mesmo para mim, que não consigo esperar nada de bom para nosso ambiente, atingido pelo aquecimento global e ameaçado pela corrida armamentista, agora reacendida pelas novas armas anunciadas por Putin, a previsão foi assustadora.

Chego com atraso à notícia, porque o prognóstico consta de relatório apresentado em janeiro de 2016 pela Fundação Ellen MacArthur ao Fórum Econômico Mundial; descubro-a enquanto leio sobre a proposta californiana de proibir o uso de canudos plásticos, cujo consumo, nos Estados Unidos, é de módicas 500 milhões de unidades por dia.

Se leio com atraso, também chego atrasado aos questionamentos sobre a correção do relatório, que apontam a dificuldade em quantificar o plástico do oceano e calcular o número de peixes que o habitam. Matéria da BBC apresenta estudo em que estima o peso total das criaturas marinhas no impreciso intervalo entre 2 e 10 bilhões de toneladas, bem mais que o quase 1 bilhão de toneladas de plástico marinho projetados pela Fundação Ellen MacArthur para 2050.

Claro que isso não é suficiente para refutar a projeção, porque, no nível em que as coisas vão, com a pesca predatória e o agravamento nas condições do ambiente marítimo para a sobrevivência das espécies, é de se esperar também a queda na sua população.

Na verdade, nem precisa comparar pesos, porque 1 bilhão de toneladas de lixo já é um número suficientemente assustador, algo como cem quilos por pessoa. A estimativa de que a quantidade de plástico não chegue a superar a dos peixes é tão tranquilizadora quanto a de imaginar que a temperatura média do planeta aumentará só 2 graus até 2050, que até lá o Polo Norte não estará completamente derretido ou que os oceanos terão se elevado somente um metro.

Leio num mundo de urgências, e o faço no breve espaço de tempo em que também me deparei, não lembro em que ordem, nem se eram notícias novas ou velhas, com os bombardeios na Síria, a escravização de crianças nas lavouras de cacau africano, a existência de 86 mil moradores de rua em Los Angeles, a multiplicação por dois (de 250 mil para meio milhão) em um único ano dos brasileiros que sobrevivem vendendo comida na rua, a militarização do Governo, a precarização das relações de trabalho, a entrega da Embraer aos americanos, e por aí segue.

E, se li todas essas notícias e muitas outras mais, de que esqueci já no minuto seguinte, também sei que nenhuma delas encontra uma resposta adequada (evidentemente não falo das autoridades, nacionais e globais, empenhadas que estão em dar uma mãozinha para apressar o precipício), seja porque, como eu, os leitores se comovem ou escandalizam ao ler e já no minuto seguinte se comovem ou escandalizam com a notícia seguinte, numa sequência de reações estéreis, seja porque já não se comovem ou escandalizam, porque anestesiados com a banalização das tragédias, que nem por isso deixam de ser tragédias.

Claro que, entre as notícias, também sou interpelado por Greenpeace e Médicos sem Fronteiras a contribuir para suas ações. Mas sei que, se eventualmente adiro a semelhante convite, apoio ações isoladas, de resistência, paliativas, de pequenos grupos ativistas. Nós outros, a grande maioria, quando não insensíveis, nos perdemos entre a desesperança e a perplexidade, no máximo entre esparsas propostas de militância que se misturam anarquicamente e não conversam entre si.

Claro: se agora me perco em divagações sobre a falta de ações que sintetizem uma resistência, em que caibam simultaneamente, por exemplo, a defesa ambiental e a luta contra a pobreza, talvez isso seja apenas indício de que não procuro o suficiente para ter uma ação consequente.

Mesmo que nada mais se faça, ainda é possível ter uma ação individual e silenciosa. Qualquer um de nós que se disponha a botar num saquinho de supermercado o lixo encontrado na praia o verá cheio antes de caminhar cem metros (se alguém se animar a tanto, sugiro tentar responder, enquanto o faz, se esse lixo foi deixado ali por banhistas mal educados ou devolvido pelo mar, pequena fração que não caiu numa corrente que o depositaria num daqueles vórtices oceânicos que tudo engolem).

Uma vez assim agindo, se tivermos sorte, encontraremos um ponto de coleta seletiva de lixo, mas o mais provável é que o resultado da nossa coleta acabe num aterro sanitário, o que não é tão ruim quanto a chance não desprezível de que o esforço se frustre e o lixo volte ao mar.

Pensava nisso tudo, enquanto escolhia laranjas de umbigo, que a novilíngua do mercado rebatizou de navelina. Estavam meio murchas, e por isso peguei só uma. Ao pesá-la, descobri que, talvez desconfiando que, usando a mesma etiqueta de preço, eu pudesse trocar a laranja por outra maior, o Zaffari tornou compulsório o ensacamento.

Devolvi a laranja. Nova tentativa, no dia seguinte, e fiquei sem o mamão e as bananas que havia escolhido.

Ainda não sei o que acontecerá com meu silencioso protesto individual: me renderei à imposição, consumidor manso que ao final se entrega ao poderoso supermercado, ou este venderá dois quilos a menos de frutas por semana, perdendo 0,00000000000001% do seu faturamento?

O fato é que, passada uma semana, persiste minha ridícula resistência individual, eu que, em dez dias de férias, embora recusando os canudos que me foram oferecidos, descartei diariamente entre duas e três garrafas plásticas da água que bebi em caminhadas. As depositei em lixeiras, mas não sei para onde foram levadas depois disso.

Assim seguimos, e mesmo os rebeldes produzem lixo, dando sua parcela de contribuição para a foto que ilustra este texto.

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