Não vejo televisão, pouco assisto do noticiário. Cada vez mais, fujo dos discursos oficiais. Quando compartilham qualquer coisa, dizendo olha que absurdo, desvio o olhar. Por isso, só li o pronunciamento do Secretário da Cultura, Roberto Alvim, na centésima vez em que fui interpelado a fazê-lo.
Todo mundo comentava a frase de Goebbels, e foi o que busquei na fala. Mas aqueles quatro minutos são muito mais do que a frase do chefe da propaganda nazista: está lá a mitologia nazista, está o figurino nazista, Wagner como fundo musical, e Bolsonaro assistindo tudo da parede. O conteúdo da fala é nazista, e é nazista a visão de cultura apresentada, com fé, lealdade, autossacrifício, luta contra o mal, com energia e impulso.
Roberto Alvim foi demitido, única medida possível ao governo após a reação pública à ousadia em apresentar sem disfarces a estética e a ideologia nazista. Mas será cancelado o projeto cultural nazista? A demissão significa o repúdio às ideias nazistas?
No mesmo dia da gravação de Alvim, Bolsonaro fez um discurso, muito comentado porque atacou raivosamente a imprensa. Também resolvi assistir, e ouvi algo que não gerou escândalo: “Não dê chance pra essa esquerda, eles não merecem ser tratados como se fossem pessoas normais.” Seria estranho se a frase tivesse saído da boca de Hitler?
Alguém lembrou por esses dias o poema do pastor Niemöller, aquele que começa com primeiro os nazistas vieram buscar os comunistas, mas eu não era comunista e me calei.
Aqui, ainda não os levaram, mas Bolsonaro, que antes prometeu a ponta da praia à esquerda – e os liberais que nele votaram disseram ser apenas um exagero de campanha –, agora diz que pessoas de esquerda não merecem ser tratadas como gente normal. Não foi o que o Führer falou dos judeus?
Vamos esperar, com nosso silêncio, que o poema de Niemöller vire uma profecia para o Brasil de hoje?
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O poema, intitulado E não sobrou ninguém, em uma de suas traduções:
Primeiro levaram os comunistas
mas não me importei com isso
eu não era comunista;
em seguida levaram os sociais-democratas
mas não me importei com isso
eu também não era social-democrata;
depois levaram os judeus
mas como eu não era judeu
não me importei com isso;
depois levaram os sindicalistas
mas não me importei com isso
porque eu não era sindicalista;
depois levaram os católicos
mas como não era católico
também não me importei;
agora estão me levando
mas já é tarde
não há ninguém para
se importar com isso.
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