Vocação. É uma palavra que tenho gravada no mais fundo da memória. Talvez a tenha conhecido nos tempos de missas obrigatórias, em que não faltavam orações pelo aumento das vocações sacerdotais. Naqueles meus primeiros anos, a imaginação flertava com a existência de um chamado divino, que revelaria aos escolhidos sua missão de conduzir o rebanho ao paraíso.
Essa palavra conservava essa aura quando, anos depois, no colégio, era moda a realização de testes vocacionais, em que, após breve entrevista com não sei que especialista, o oráculo revelaria magicamente a profissão que deveríamos seguir.
Não lembro se cheguei a me submeter a um desses testes. Acredito que não, porque ao menos teria algum registro de uma anticlimácica frustração por não ter vindo a tão esperada revelação.
O fato é que foi meio fortuita – certamente pragmática – minha opção pelo Direito, depois pela advocacia, por fim pela magistratura. Por isso, estranhava quando, durante o estágio posterior ao concurso, ouvia os palestrantes falarem em juiz vocacionado: para mim, do mesmo modo como o concurso me fizera juiz, poderia ter sido padeiro, profissão por mim escolhida aos quatro ou cinco anos, depois de ter recebido um belo avental bordado.
O fato é que nunca uma voz longínqua me convocou a seguir a missão da Justiça. Não que, decorridos tantos anos, considere ter sido um mau profissional: gostei de exercer a magistratura e sempre me esforcei em buscar a justiça, embora saiba que muitas vezes decidi mal.
Se agora conto essa história, é porque me lembro do dia em que descobri uma pessoa vocacionada. Quando, estando eu na presidência da Ajuris, participamos, com outras entidades, do Movimento da Questão Prisional, certa ocasião, após uma visita ao Presídio Central, feita a contagem pela segurança já na parte externa, constatou-se que um dos visitantes não havia saído.
A preocupação que se seguiu somente foi quebrada com a solução do mistério: meu parceiro de Ajuris, Eugênio Couto Terra, se desgarrara da comitiva ao ver a farmácia do Presídio, para a qual se dirigiu sem que ninguém se apercebesse. Quando finalmente nos reencontrou, suas palavras eram de pura euforia por ter descoberto uma infinidade de medicamentos, para nós desconhecidos, mas que ele conhecia profundamente, tendo a partir disso levantado hipóteses sobre as doenças mais comuns entre os presos, confirmadas pelo representante do presídio.
O brilho de seu olhos revelava a vocação que eu nunca tivera, e ainda o vejo assim cada vez que trata do seu trabalho. Não é só uma vocação para a magistratura, é uma vocação para a magistratura voltada à saúde, que o torna, numa área que exige conhecimento e sensibilidade muito além do mero saber jurídico, um dos melhores magistrados que conheci.
Eugênio é vocacionado, profundo conhecedor da matéria da saúde, em especial saúde pública. Vê-lo ser confrontado pelos imbecis que perderam a vergonha nestes tristes tempos mais faz aumentar meu orgulho por ser seu amigo e colega.
Estou contigo, Eugênio!
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