Deu na capa da Veja: o falastrão caiu. Lembro que de Ijuí, onde morava, mandei mensagem: minha assinatura vai até o final do ano, mas podem parar de mandar agora. O fato é que a revista comemorou o golpe que derrubou Chávez. Começou com manifestações de rua convocadas por entidades empresariais e imprensa e se consumou com uma ação militar. Era 2002, tempo pouco, mas os golpes ainda eram feitos com fuzis. Tanto era golpe que, daqui, FHC condenou a quartelada.
Claro que isso não impediu que os campeões da democracia dessem imediatamente sua chancela. Sim, eles mesmos, os Estados Unidos, correram a reconhecer o Governo Carmona, que não durou 48 horas, porque Chávez tinha apoio popular e também força nos quartéis. Assim, os Estados Unidos e Veja ficaram com o pincel na mão, e a revista com um assinante a menos.
Se lembro disso agora, tento imaginar quase duas décadas de incessante ocupação da rua por patos e camisetas da seleção (claro, as camisetas de lá são diferentes, e nelas tem inclusive aquela cor sinistra). Tudo com a mesma sustentação social: a FIESP deles, a Globo e a Veja deles, o MBL deles, aquela mesma classe média de Miami, e por aí vai. Que país pode resistir a isso?
Chávez morreu, o preço do petróleo desabou, começou o desabastecimento, e eles lá na rua, dia após dia.
O substituto que arrumaram para Chávez é fraquinho: sem carisma e inábil, tenta sustentar um sistema que não consegue mais maioria nas urnas. E eles lá, na rua, acossando.
A baixa do petróleo teve um efeito devastador, muito maior que a baixa das commodities aqui, ficou cada vez mais difícil. E eles lá na rua, com sua FIESP, sua Globo, seu MBL, com a pressão dos Estados Unidos.
Não sei quantos compareceram às urnas na eleição da Constituinte, também não sei quantas pessoas morreram nos últimos dias e quem atirou. Dependendo da fonte que consultar, poderei concluir uma coisa ou outra coisa. Por isso, se algum mensageiro da pós-verdade me disser, provavelmente não acreditarei. No fundo, tenho evitado saber.
Na verdade, se o título deste artigo é Venezuela, se até agora falei da Venezuela, é apenas porque hoje ela retrata de modo mais eloquente como o poder se expressa no mundo e como com esse poder a democracia pouco vale.
Claro que não precisa ser assim: se tudo andar como o poder deseja, é melhor essa democracia em que a cada par de anos elegemos esses nossos notáveis representantes. Assim há menos traumas, menos custos. Mas, se não andar com a democracia, há outras soluções.
Maduro não é um democrata; como sucessor de Chávez, é um pouco farsa, um pouco tragédia, e tenta manter o poder a qualquer custo.
Mas está claro que não é dele que falo quando digo que a democracia pouco vale: falo do poder global, que atropela quem a ele se oponha e há vinte anos se dedica a derrubar o governo venezuelano.
Por isso, fico tão sem graça quando vejo meus amigos discutirem como se posicionar na Venezuela. É claro que aquilo não é uma democracia, mas é ainda mais claro que quem lá se dedica a derrubar o governo não o faz com métodos nem propósitos democráticos.
Sou ardoroso defensor da democracia, acho que defendê-la e ampliá-la é revolucionário, mas às vezes paro e penso: como somos ingênuos, nós, os democratas.
Ainda bem que no Brasil não se dão golpes.
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