Não sou dos que compartilham daquela visão negativista do Brasil e dos brasileiros, postura que encerra em si uma contradição, porque traz implícito o entendimento de que o problema é com os outros e cada um dos que assim julga é imune às mazelas denunciadas. Além disso, ignora o fato de que este é o país que historicamente conseguimos construir e que, para melhorá-lo, é necessário um esforço coletivo, que certamente envolve a mudança de uma cultura e a busca de alterações institucionais.
Trata-se de um processo, certamente mais longo e oneroso do que gostaríamos, e que muitas vezes se dá por avanços e recuos, sempre cercado de contradições, como esta de a corrupção ser denunciada por quem no dia a dia se envolve em inúmeras situações de pequenos deslizes, que só se distinguem grau, mas nunca na natureza, dos grandes atos de corrupção.
Por assim entender, considero-me otimista: acredito sinceramente que em alguns anos o Brasil será melhor do que é hoje, embora certamente então continuemos a achar que muito precisará ainda ser melhorado.
Mas o acreditar que as coisas melhorarão não significa esperar sentado e nem deixar de se indignar com alguns absurdos, principalmente quando são expressão de um cinismo institucionalizado.
Há alguns anos, era comum o carteiraço, simbolizado pela expressão você sabe com quem está falando?
De algum modo, a construção de uma cultura democrática conseguiu reduzir esse hábito (exemplo de que é possível ser otimista), mas há uma série de condutas arraigadas que resistem a qualquer tentativa de afirmação de práticas republicanas.
Exemplo disso está em detentores de funções públicas relevantes que seguem exercitando um você sabe com quem está falando? subentendido, como afirmação do poder pessoal contra as regras que deveriam observar.
É o caso do hábito, corrente entre alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal, de levarem para casa os processos que não querem ver julgados. Para isso, servem as mais variadas desculpas, mas geralmente as desculpas nem ao menos são necessárias: basta o esquecimento.
Tudo isso sem a menor vergonha por infringirem o Regimento Interno do STF, segundo o qual o Ministro que pedir vista deverá apresentá-lo para prosseguimento da votação até a segunda sessão subsequente.
Por isso, embora cause a maior indignação, não causa a menor surpresa que neste 2 de abril o pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes na ADIN 4.650, que busca ver declarada a inconstitucionalidade do financiamento de campanha por empresas, tenha completado um ano: o Regimento Interno manda devolver, o Ministro não quer devolver e ninguém tem força para fazê-lo devolver. A vontade do Ministro de negar jurisdição, de omitir um julgamento da Nação e de seus pares, que majoritariamente já se manifestaram pela inconstitucionalidade, é mais forte que qualquer regra.
Sigo otimista com meu país, mas enquanto houver na mais alta Corte do Poder Judiciário quem de tal modo tripudie o Regimento de sua própria casa, numa perpetuação do você sabe com quem está falando?, de alguma maneira me sentirei um súdito numa República de Bananas.
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Sobre o mesmo assunto, escrevi O poder de veto no Supremo.
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