Para quem não é do Direito, talvez seja um sujeito sorridente, bom de papo, sincero, agradável. Quem é do Direito sabe que é outra coisa, normalmente usada no âmbito penal: o tipo penal aberto transmite um conceito genérico, em que não há uma definição precisa da conduta. Isso não é bom, porque o único modo de saber se a conduta é ilícita está em uma descrição limitada.
Se pensamos ato obsceno, podemos imaginar o que seja; também podemos imaginar o que sejam tortura, corrupção e tantas outras coisas, mas, quando o Estatuto da Criança e do Adolescente disse que era crime submeter uma criança a tortura, isso se tornou um problema, porque ele não dizia o que era tortura (uma lei de 1997 resolveu isso, descrevendo as condutas que configuram crime).
Mas meu objetivo não é discutir Direito Penal. O fato é que a vida é cheia de tipos abertos. Amor, por exemplo, é um tipo absolutamente aberto, e nem é mesmo possível reduzi-lo a um conceito preciso.
Mas também não é disso que quero falar, quero falar dos tipos notável saber jurídico e reputação ilibada. É disso, e não de sorriso ou amor, que a pessoa precisa para ser ministro do Supremo Tribunal Federal. Claro, tem o principal: precisa ser indicada pelo Presidente da República. Depois é mais simples, porque o Senado nunca rejeitou nenhum nome.
O fato é que, morto um ministro – falando nisso, há notícia das investigações? – o presidente tinha que indicar seu substituto. É fato, também, que logo começou o zum-zum sobre quem ele indicaria. Claro que não indicaria quem não é do seu lado, embora, às vezes, certos presidentes ingenuamente o façam.
Mas, como faria um Presidente, assim com P maiúsculo? Buscaria alguém do seu lado com notável saber jurídico e conduta ilibada. Agora, pergunto: se ele, seus colegas de governo, seu partido vêm sendo mencionados como beneficiários de esquemas de corrupção e poderão ser julgados por esse que indicará, que critério ele utilizará para a indicação?
Se, por definição, o indicado deverá defendê-lo, também por definição, a conduta ilibada se exclui como critério. Não há conduta ilibada em quem foi escolhido para matar no peito.
Mas era isso mesmo: há dias os comentaristas diziam que a indicação seria de alguém que fizesse o jogo. Às favas com os escrúpulos de consciência, dizia um ministro da Ditadura. Aliás, escrúpulos, que seriam próprios de uma conduta ilibada, são artigo que anda raro.
Como o tipo é aberto, e quem decide sobre conduta ilibada e sobre notável saber jurídico é o presidente, a indicação foi assim. O Brasil sabe por que ela aconteceu, mas e daí?
A biografia do ministro indicado é conhecida, seus atos recentes também, do mesmo modo sua produção bibliográfica. Cada um de nós há de imaginar se ele tem notável saber jurídico e reputação ilibada. Como os tipos são abertos e quem decide o presidente, assim será.
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Lembrei dos Tribunais de Contas, em especial o TCU, assunto sobre o qual já escrevi, em A Corte dos virtuosos. É da nossa cultura política sermos flexíveis quanto ao conceito de virtude, outro tipo aberto. Também publiquei esta semana um texto de 2009, em que critiquei a indicação de Toffoli, porque não respeitada a quarentena.
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A pintura é de Anthony Van Dyck, Susana e os velhos.
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