Claro, falo metaforicamente, tipo somos todos Charlie ou coisa parecida – essa coisa facebookiana de solidariedade à distância. Mas o fato é que, neste meu caminhãozinho que se chama Bissexto, desde que o criei digo que é golpe.
Confesso que no início tinha dúvidas sobre se podia dizer certas coisas. Aliás, continuo tendo, porque, de fato, acredito que é salutar para a república e para a democracia que existam limites a algumas manifestações públicas dos juízes, justamente por sua necessidade de, como integrantes de um poder que serve de contraponto aos outros dois, aos quais o acesso se dá pela via partidária, manter um certo distanciamento.
O diabo é que meus escrúpulos batiam no que eu via acontecer, não só de tantos juízes vestirem a camiseta da Seleção e irem para a rua com o MBL, como também de ministros do Supremo – e outros Tribunais – dizendo publicamente que o impeachment não era golpe. Claro, isso aconteceu mais na época em que no Brasil se batiam panelas, e, se todos batem panelas, não há problema em bater junto: remar a favor da corrente sempre é bom e ninguém reclama.
Por isso, o que ouvia de tantos, com suas eloquentes falas a favor da corrente, não só me autorizava, como me impunha moralmente defender a democracia, contra a corrente. Logo, fiz política, disse – e continuarei a dizer – que era golpe.
Por outro lado, se tinha dúvidas sobre o que podia fazer, não foi por achar que acabei por dizer algo proibido pela Lei Orgânica da Magistratura. Aliás, se alguém não leu a LOMAN, tenho de esclarecer, porque é exercício básico de leitura, não necessitando de nenhum esforço interpretativo: os juízes são proibidos de exercer atividade político-partidária, assim com hífen, e por isso é de uma grosseira impropriedade dizer que a proibição é à atuação política e partidária.
Mas não se investigam cem que vão a favor da corrente, não se investigam ministros que fazem propaganda do golpe, investigam-se aqueles poucos que vão contra a corrente. Muito menos se investiga quem, a favor da corrente, mas contra a lei, vaza o que não pode vazar.
Essa é uma marca da pós-democracia, aquela democracia que preserva uma casca, mas está cada vez mais rarefeita de conteúdo, em que se naturalizam dogmas antidemocráticos, e os princípios democráticos se tornam cada vez mais subversivos.
Faz menos de um mês que se comemoraram os cem anos de nascimento da Violeta e os oito de morte da Mercedes. Foi Violeta quem compôs e ambas, cada uma a seu jeito, cantaram: si acaso esto es un motivo, preso voy también sargento.
Se nada mais posso fazer, ao menos digo que também subi no caminhão.
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