Comovem-me as dores das pessoas. Todas elas, a dor da pobreza, a do abandono, a da doença, a da injustiça. Sei que sentir dor é próprio da vida e por isso muitas não têm solução. Nesse caso resta a solidariedade, quando a exercemos, porque anda cada vez mais rara.
Houve tempos em que comparava dores, tentando entender qual era maior e necessitava de mais amparo. Sofre mais quem perdeu o emprego e não tem dinheiro para alimentar o filho ou quem perdeu os movimentos num acidente? Sofre mais o apátrida escorraçado de todos os lugares ou o morador de rua chutado para desocupar o espaço sob a marquise?
Hoje não comparo mais, mas continuo, como sempre, pensando em curas. Como curar cada uma dessas dores? Como curar a dor do homossexual? Deve haver cura para ela, devemos procurá-la.
Daí penso nas dores que são só dele. Penso na dor do homossexual expulso de casa pelo pai severo e preconceituoso, na dor daquele que chamam indecente por beijar em público, na dor da travesti espancada, na dor de ser confrontada com a estupidez do orgulho hétero, de ouvir a torcida gritar viado e o pastor prometer o inferno.
Penso na dor de ver um dia se escandalizarem com a exposição Queer, de no outro dia lhe oferecerem cura, na dor de continuar a ser tratado como trataram um Wilde ou um Turing.
Quando penso em todas as suas dores, imagino que muitos preferissem fugir, preferissem não ser homossexuais, preferissem mesmo se curar da homossexualidade. Curar-se para fazer feliz a sociedade homofóbica, para ser aceito por ela, satisfazê-la com sua conversão, fazer-se símbolo, quem sabe até um dia aprender a fazer piada de viado.
Acho que há muitos desses, seja porque os convencemos da sua doença, seja porque descrentes de que a doença dos outros, daqueles que lhe apontam o dedo acusador, possa um dia ter cura.
Então, em nome da liberdade científica, lhes oferecemos cura. Não cura gay, porque é muito tosco e rejeitado pela Ciência, mas um tratamento de outro tipo, amparado na Constituição, que se chama (re)orientação sexual.
Assim douramos a pílula, lhe botamos um verniz. Se alguém reclamar, retrucamos, com autoridade: mas você não leu a decisão. É isso que agora faremos: (re)orientação sexual.
As dores? Quem quer curá-las?
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