Sem surpresa

O general Villas Bôas é considerado um moderado. Nada tem a ver, por exemplo, com o general Mourão, candidato a vice de Bolsonaro e admirador declarado do torturador Brilhante Ustra. Também o distingue de Mourão o fato de que este está reformado, enquanto aquele comanda as Forças Armadas.

E é por isso que se torna mais estarrecedor o fato de Villas Bôas dar entrevista à imprensa posicionando-se contra a possibilidade de algum candidato concorrer sub judice, sob o argumento de que isso poderia afetar a estabilidade e governabilidade, assim como a legitimidade do futuro governo.

E não é a primeira vez que Villas Bôas extrapola os limites em que devem se conter os militares, a quem a Constituição, redigida após a traumática Ditadura Militar, reservou um papel subalterno em relação ao poder constituído.

Em abril, na véspera daquele julgamento do Supremo em que Rosa Weber assegurou, contra sua convicção, mas em homenagem ao princípio da colegialidade, a vitória da tese que autoriza o início do cumprimento da pena antes do trânsito em julgado, o general já havia, pelo Twitter, com direito a leitura com voz grave por William Bonner, mandado uma ameaça à Nação, ao afirmar que o Exército repudiava a impunidade e permanecia atento às suas missões institucionais.

Embora naquele julgamento do Supremo o decano Celso de Mello tenha dado resposta a Villas Bôas, ao dizer que os tempos sombrios haviam passado e que intervenções militares levam a regimes supressores de liberdades, é certo que pairava no ar a ameaça, e nunca se saberá se algum dos votos dados naquela sessão foi influenciado pela fala.

Mas a carraspana de Celso de Mello parece não ter sido suficiente para calar o ministro militar, que agora reincide numa fala em que tenta, indevidamente, interferir em decisões judiciais, numa grave violação ao dever de disciplina a que se submete.

E o pior é que semelhante fala parece não gerar indignação, e a sociedade civil assiste em silêncio as ameaças de quem parece pretender o retorno aos tempos sombrios de que falou Celso de Mello, em que eram os militares que decidiam o que a Constituição determina.

E o problema maior não é Villas Bôas falar o que fala: mais grave é ele não ser punido. E muito, mas muito mais grave, é a fala passar em branco, como se fosse a coisa mais normal do mundo.

Este é, provavelmente, mais um efeito da pós-democracia, esta em que se admitem golpes fantasiados de impeachment e na qual mais vale ao poder alijar do jogo os adversários do que assegurar o cumprimento das regras do jogo.

Fica, de qualquer maneira, o lamento por não ver a sociedade civil repudiar semelhante fala. Não que o silêncio surpreenda, ele não surpreende, e há muito tempo as regras do jogo foram relativizadas, até mesmo para quem se diz democrata.

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