É só uma frase, mas desde a primeira vez a ouvi do mesmo jeito. De salve a Cultura na memória do seu rádio ouço só salve a Cultura. Ou cultura, substantivo comum. Talvez um dia descubra se foi mais que mera intuição e, de fato, havia aí um grito de socorro antecipado, para pegar subliminarmente os ouvintes.
O fato é que hoje poderia falar da FEE, da Fepagro, da Fundação Zoobotânica, da Cientec, da FEPPS, poderia falar de tantos órgãos voltados à pesquisa e à cultura – talvez seja melhor dizer à inteligência – que deverão ser descartados com a proposta de encolhimento total do Estado.
A ideia de racionalizar as estruturas públicas para além das ideologias e das memórias afetivas, de não onerar os cofres públicos com o que não dialogue com o propósito de servir as pessoas, chegou a esse ponto.
E, num Estado em crise, a proposta é essa.
Como comecei com a Cultura, falo dela, eu que a ouço todos os dias, um oásis no deserto de mediocridade que assola o nosso rádio. É um exemplo de excelência do público, lá onde o privado é, como regra, de péssima qualidade.
Salve a Cultura.
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Se desde o início senti salve a Cultura como um pedido de socorro, no mesmo instante outro pensamento se associou a este, e desde então o acompanha sempre que ouço a mensagem.
Na verdade, é um pensamento que já vem de antes, mas ali por um motivo especial se tornou mais intenso.
Durante o turbilhão político que nos assolou este ano, eu pensava: o que houve com o PMDB, aquele de Ulysses, Tancredo, Teotônio? O MDB de Simon? Esse partido que deu o tom da Constituição de 1988?
Onde teria ficado a convicção democrática desse partido, criado como a oposição consentida da Ditadura, mas se portou com tanta dignidade na luta pela redemocratização?
Onde seu compromisso democrático, onde suas preocupações sociais?
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Daí à divagação é um passo, e logo penso nas transmutações dos partidos e no que muitas vezes é sua vilanização ou mesmo decrepitude.
Se uso o plural é para não deixar o PMDB sozinho em seu triste papel. Penso, por exemplo, no que sobrou daquele PT de 80, que dizia não há socialismo sem democracia nem democracia sem socialismo. Penso no que é a social-democracia do PSDB, e lembro de ter perguntado a Yeda Crusius numa palestra como podia um partido social-democrata se aliar com a direita e aplicar aqui o receituário neoliberal. Se o mundo é assim, se a história anda e tudo se transforma, os partidos também mudam. Parece que para pior.
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Mas pensava no que houve com o PMDB. Li em algum lugar que o Governo Simon teve as mesmas propostas de cortes, enxugamentos, arrocho. É possível, não lembro bem, mas há uma coisa de Simon nesse segundo pensamento, em que me pergunto sobre a identidade perdida do PMDB.
Sim, penso o que houve com o PMDB porque foi Simon que criou a Cultura. Tudo o que dizem de seu governo pode ser verdadeiro, mas havia ainda interesse com a cultura, havia preocupação com a inteligência.
Esse tempo passou.
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(Quis falar da Cultura, para resgatar aquele pensamento. Peço que não interpretem isso como uma simplificação dos gravíssimos efeitos do pacote. É o receituário neoliberal aplicado de modo radical, para desmontar o Estado do Rio Grande do Sul. E isso não pode ser reduzido a memória afetiva.)
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