Não, não falarei sobre a acusação de plágio de obra de artista holandês. Também não falarei sobre a vocação da FIESP para apoiar golpes.
Falarei sobre outra coisa, e talvez a melhor maneira de iniciar seja por uma frase que ouvi solta, graças ao hábito de ligar o rádio do carro nesses pequenos deslocamentos em que é impossível colher a integralidade da fala.
Ouvi o fim da entrevista e nem ao menos tive a oportunidade de descobrir quem falava, mas, pelo tom, foi dirigente ou assessor de entidade empresarial ou de um desses institutos que propagam a economia liberal.
E a frase que me chamou a atenção foi esta: “O povo precisa se dar conta de que, ao pagar imposto, está também financiando a corrupção.”
É raro ouvir uma vinculação tão direta. Normalmente, diz-se que o imposto deve ser menor para aumentar a competitividade e que o Estado ineficiente e perdulário não pode ser o parasita da sociedade. Aliás, a oposição entre sociedade que paga imposto e Estado que o arrecada e desperdiça é um desses mantras repetidos à exaustão, com o fim de tornar-se verdade.
A alusão ao Estado corrupto costuma ser apenas contingencial, mas ganhou força nesses tempos de crise, em que o discurso pela derrubada dos corruptos está em todas as bocas, inclusive as dos maiores corruptos. Nesse contexto, chegamos ao ponto de vermos manifestantes ostentarem cartazes dizendo que sonegação é legítima defesa.
Mas, ultrapassemos essa pontual associação dos impostos à corrupção, e nos fixemos ao tradicional discurso, em que impostômetros transmitem ao cidadão a ideia de que paga imposto demais e que o Estado o explora.
Quem faz o discurso são as FIESP da vida, essas que expõem o pato, propondo que seja adotado por todos como símbolo da opressão contra nós exercida pelo Estado arrecadador.
Na verdade, o discurso representa aquela vertente que quer ver o Estado pequeno, o quer fora da economia e defende que o mercado resolva tudo.
Trata-se de uma corrente muito conhecida, que vem da Escola de Chicago e ganhou fôlego a partir de Tatcher, Reagan e da onda de liberalização no mundo, ocorrida principalmente a partir dos anos 90, com um efeito quase universal de um brutal aumento da pobreza e das desigualdades sociais. Querer reduzir o Estado e entregar as rédeas da economia ao mercado resulta justamente nisso.
Evidentemente, nenhum Estado pode arrecadar mais do que a sociedade pode pagar, mas a carga tributária brasileira não é particularmente elevada. Oscila em torno de 35% do PIB, maior que Estados Unidos e Japão, em que está entre 25% e 30%, mas menor que a Alemanha e Reino Unido, em que está em 40%, na França, onde está em 45%, e os países escandinavos, onde chega a quase 50%.
Por outro lado, quando se deixa de lado o quanto representam os impostos em percentual do PIB, mas se investiga quem os paga, o Brasil se torna um paraíso para os ricos. Enquanto aqui eles pagam em impostos somente 6% do que recebem, nos Estados Unidos pagam 14,2%, no Reino Unido 25% e na Suécia 30%.
O modo de arrecadação dos impostos e de alocação dos recursos por ele obtidos é essencial numa política de distribuição de renda: arrecadar mais dos ricos e destinar mais aos pobres é um modo de reduzir a concentração de renda; arrecadar mais dos pobres só a aumenta.
Se pensados três vetores – quanto se arrecada, de quem se arrecada, a quem se destina –, pode-se dizer que a quantidade de arrecadação brasileira está na média, que, por conta dos programas de distribuição de renda, a destinação apresentou avanços significativos nos últimos anos, mas os ricos brasileiros pagam imposto baixíssimo.
É fácil de compreender a razão: aqui os impostos sobre consumo, para o qual os pobres destinam tudo o que ganham, são altíssimos, enquanto os impostos pagos pelos ricos, sobre renda, herança e doações, patrimônio, são baixos ou não existem.
Assim, o que de um lado é feito com destinações sociais, de outro lado é desfeito com a cobrança dos impostos sobretudo dos pobres.
Parece claro quem paga o pato: a FIESP poderia esclarecer isso em suas campanhas.
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