Diálogo que imaginei para um lugar distante, num tempo remoto:
— Lembra aquele cara que não deixava pivete apanhar?
— Lembro, sempre peguntava: tem certeza que foi ele?
— Sim, aí o cara largava o moleque. Como se chamava mesmo?
— Indúbio.
— Faz tempo que não vejo. Que fim levou?
— Tá preso.
— Preso, logo ele, um cara legal?
— É, teve um assalto e pegaram ele.
— Ele assaltante? Não acredito!
— É que lá na delegacia mostraram umas fotos pra vítima. Numa das fotos tinha um negrão, e ela reconheceu na hora.
— Bom, mas, se é só isso, já vão soltar…
— Não, já faz tempo. Já tá até condenado.
— Como assim, só com foto?
— Não foi só foto, o promotor tinha uma gravação.
— Alguém entregou ele?
— Também não, era um pessoal falando em entregar mercadoria. No início achavam que era material de construção, mas um dos caras tinha sido preso anos atrás, e aí acharam muito suspeito.
— Então era bandido esse cara da gravação?
— Não sei, foi absolvido por falta de prova. Mas tu sabe, onde tem fumaça tem fogo.
— Pelo jeito, já tinha investigação? O juiz autorizou a gravação?
— Não, juiz não precisa mais autorizar. Agora, quando descobre o crime por telefone, vale a prova.
— E nessa gravação falaram do Indúbio?
— Na verdade, eles falavam de um Túlio, mas o promotor achou muita coincidência, e aí o juiz disse que a defesa não provou que Túlio não era Indúbio.
— Faz sentido. Sabe como esse pessoal muda o nome pra confundir e fica criando senhas. Depois, pra que o cara tem defensor, se não consegue nem provar uma coisa dessas?
— E o juiz também disse uma frase bem bacana da Bíblia, tipo que não é pra dar moleza pra vagabundo e tem que prender logo.
— Também acho, tem que respeitar a Bíblia.
— Sim, e tem que ver quando foi preso. Passou na Globo, ele esperneando todo. E o repórter falou que era um bandido perigoso.
— Pois é, parecia um cara tão legal. Mas com tanta prova, e ainda mais a Globo falando…
— Sim, e lá no processo a vítima nem quis ver ele de novo, mas confirmou que era um negrão parecido com o da foto.
— Claro, só pode. Ainda bem que pegaram.
— E era muito esperto. Ninguém suspeitava dele. Mas dessa vez, com tanta prova, tinha que condenar.
— Agora entendi por que ele defendia os pivetes. Era ladino, ele: não deixava bater só porque não tinha prova.
— Sim, esses são os mais perigosos. Sempre exigindo prova, só pra livrar a cara dos bandidos.
— Ainda bem que desse estamos livres, pena que tem cada dia mais assaltos. Como era mesmo o nome completo dele?
— Parece que era Indúbio Proréu.
— Bah, que nome! Vamos tomar uma ceva?
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