Às vezes lembro de Simão Bacamarte, aquele médico machadiano que internou num hospício a população quase inteira da cidade, porque eram todos loucos.
Não é por causa dos hospícios que vem a lembrança, é por causa das prisões. Vejo a cidade cheia de Simões Bacamartes, que querem prender todo mundo, porque todo mundo é criminoso. Claro, comparações são sempre relativas, e as prisões aqui desejadas não são como as internações em Itaguaí, que democraticamente alcançavam todas as classes sociais: no nosso caso, a proposta é prender só os diferentes, lá da periferia.
Antes, os desejos vinham por espasmos: acontecia um crime grave, em que a vítima era de classe média, e começavam os brados, que em seguida abrandavam até o próximo crime grave. Aos poucos, isso foi mudando, porque a criminalidade extravasou a periferia, onde diariamente ocorrem diversos crimes de que nem ao menos ficamos sabendo, e passaram a se fazer quase permanentes nos centros, habitados por nós, pessoas de bem.
Agora, nosso medo e mobilização são permanentes e nosso desejo bacamartiano virou uma obsessão: prender, prender e prender.
E já acontece: o Brasil tem hoje três vezes mais presos que no início do nosso ainda curto século. Há dez anos, o Rio Grande do Sul tinha 20 mil presos, no final de 2014 tinha 30 mil e hoje, consulta que fiz agora no saite da SUSEPE, tem 34.630. Ou seja: para cada mil habitantes, três estão presos.
Será que algum dos Bacamartes pensa uma explicação para o fato de que o número de presos aumenta na mesma proporção da criminalidade? Não deveria ser o contrário, aumenta o número de presos e diminuem os crimes? Ou devemos prender tantas pessoas até que não haja mais ninguém aqui fora para cometer crimes?
Alguns, mais inteligentes, já se deram conta de que não cabe mais ninguém nos presídios, e – não para torná-los mais humanos, mas para que comportem mais gente – agora propõem construir mais prisões. Não propõem pensar as causas da criminalidade, nem ao menos propõem – e eu concordaria com isso – soltar os pequenos traficantes e os ladrõezinhos, para deixar as vagas reservadas aos latrocidas, aos estupradores e aos corruptos, todos eles. Fizéssemos isso – mas então teríamos de inverter a demagógica sanha punitivista, que quer castigo para tudo e cria leis para isso –, e poderíamos até derrubar presídios, poupando dinheiro do Estado para outras coisas mais importantes.
Mas, não, querem mais e mais prisões, porque pensam que assim estarão protegidos.
Agora, surgiu uma proposta revolucionária: como todo mundo sabe que o Estado não paga nem os salários, e por isso não as construirá, tiveram a brilhante ideia de sugerir a criação de um fundo a partir da doação feita por magistrados e promotores.
Penso na proposta, e faço de conta que concordo com a ideia insana de prender sempre mais, e para isso construir mais presídios. E do mesmo modo, concordo que o Estado não tem dinheiro para construí-los, e por isso precisamos tirar dinheiro de outro lugar.
Mas, nesse caso, não seria melhor, ao invés de retirar dinheiro dos salários, que são devidos pelo Estado, buscá-lo lá de onde o Estado é credor? Dos sonegadores, por exemplo? Não seria mais lógico?
Se vejo, por exemplo, as empresas gaúchas envolvidas na Operação Zelotes, investigação que, parece, será abafada, descubro que os valores que se informam por elas sonegados seriam suficientes para dobrar a capacidade prisional do Rio Grande do Sul.
Então poderíamos continuar a brincar de Simão Bacamarte, e talvez ao final concluir, como ele, que quem deve estar lá dentro não são os outros.
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