Foi Jimmy Carter quem disse. Em entrevista a Thom Hartmann, apresentador de rádio e televisão dos Estados Unidos, Carter disse o óbvio: nos Estados Unidos ocorre um suborno politico ilimitado, diretamente relacionado à possibilidade de contribuições eleitorais igualmente ilimitadas por grandes corporações.
A eleição dos candidatos com campanhas milionárias, financiadas por grandes empresas que depois interferirão nas decisões do Congresso, cada vez mais sentida por aqui, lá está num estágio muito mais avançado, a ponto de Carter afirmar que os Estados Unidos não são um Estado democrático.
De fato, o que lá existe é uma plutocracia, em que as casas legislativas são ocupadas por ricos, que se elegem em campanhas milionárias, financiadas por corporações ainda mais ricas. A democracia americana, tão louvada por Tocqueville por ser baseada na igualdade, há muito morreu.
A entrevista agora concedida por Carter foi a propósito da decisão da Suprema Corte, que, no caso Citizens United x Federal Election Commission, decidiu pela autorização das doações de campanha ilimitadas. Detalhe: a decisão foi por cinco a quatro: cinco ministros conservadores, nomeados por presidentes Republicanos, quatro ministros nomeados por presidentes Democratas. Para quem fala mal do nosso Supremo, esse placar, claramente dividido entre, de um lado, conservadores republicanos e, de outro, democratas progressistas, mostra como o STF consegue, comparativamente à Suprema Corte americana, se manter mais independente em relação a quem fez a indicação.
Quanto à decisão em si, os votos vencidos foram quase tão contundentes quanto as palavras de Carter. Exemplo disso está na fala do ministro Stevens, que tocou num ponto crucial: “a democracia não pode funcionar efetivamente quando os membros que a constituem acreditam que as leis estão sendo compradas e vendidas”.
E de fato os Estados Unidos estão num ponto extremo de plutocratização, coisa que o Brasil está recém ensaiando fazer. Com um agravante: lá o sistema eleitoral distrital é em si elitizante e a eleição é organizada para dificultar o voto dos pobres, porque ocorre durante o horário de trabalho. Some-se a isso que o voto é facultativo, e uma grande massa de pessoas não vota, seja pelas dificuldades impostas, seja pela descrença na política.
Essa corrupção de que trata Carter é muito mais grave que todos os casos de corrupção investigados no Brasil, porque é intrínseca ao sistema. A midiática corrupção da Lava Jato, a ocultada corrupção da Zelotes, as tantas corrupções da época da Ditadura, da época dos governos tucanos e dos governos petistas, são sempre corrupções contra o sistema, contra a lei, são crimes a serem apurados; os bilhões de corrupção dos financiamentos eleitorais são o sistema corrompido, a compra do poder por uma elite econômica por meio das próprias regras do jogo, que, permitindo role o dinheiro solto nas eleições, transformam o Congresso na casa que legisla a favor dos ricos.
É a corrupção como sistema. Nos Estados Unidos, cinco ministros indicados pela Direita disseram que isso é lícito. Terrível, mas votaram. No Brasil, a maior parte dos ministros já disse que é ilícito, mas um não deixa que a votação acabe.
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Para quem quiser acompanhar: a entrevista de Carter, matéria de Thom Hartmann sobre a entrevista, matéria em português sobre a entrevista, matéria do Conjur sobre o julgamento da Suprema Corte.
Escrevi em Bissexto: O poder de veto no Supremo, Triste aniversário, Plutocratizando, A necessidade da reforma política, A corrupção e as regras do jogo.
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