O teste

Em 2016, integrei um grupo de operadores jurídicos, então denominado Resistência Constitucional, que realizou alguns eventos públicos em defesa da democracia e contra o golpe então em marcha.

Num deles, reunimos Marcelo Lavenère, Lênio Streck e Pedro Estevam Serrano, num ato público que levava justamente este nome: Resistência Constitucional. Pois desde ontem tenho pensado nesse ato de resistência, porque nele Pedro Serrano, estudioso de um novo tipo de golpe de Estado, aquele em que o ator já não são os militares, mas o sistema de justiça, lembrou da derrubada de Fernando Lugo da presidência do Paraguai, num processo que, de tão sumário, concedeu apenas duas horas para a elaboração da defesa.

O que me faz lembrar desse momento é uma coincidência pitoresca, porque me identifiquei na observação que ele próprio adiantou carregar preconceito. Serrano disse algo mais ou menos assim: “Pensei que isso só podia acontecer no Paraguai, mas me enganei, porque estão fazendo a mesma coisa aqui.” Sorri, lembrando que havia pensado a mesma coisa.

Mas o fato é que golpes são golpes; eles não precisam de justificação razoável, até porque, se razoáveis fossem, não seriam golpes. A fala de Serrano foi sobre isso: o novo padrão dos golpes latino-americanos, de que já havia muitos exemplos, que prescindiam da truculência militar e preferiam o verniz das firulas jurídicas. Menos violência e mais cinismo.

Passaram três anos. O engodo neoliberal faz água e a América Latina reage. Vejam-se Equador, Chile e Argentina, país onde o peronismo de esquerda derrotou o antes endeusado Macri. E aí acontece a Bolívia. Evo Morales vence nova eleição, num processo eleitoral questionado pela oposição, e, com todos os ingredientes que aqui mesmo já se fizeram sentir – ódio de classe, neopentecostalismo direitista, racismo, propagação de notícias falsas, agressividade crescente –, a elite branca, pela via militar e com a maquinação dos Estados Unidos, dá o golpe com a violência de sempre.

Parece que o golpe de estilo paraguaio perdeu sua força, porque a América Latina já não suporta a perversidade neoliberal. E, se o golpe da luva de pelica já não funciona, volta-se às baionetas de sempre.

Hoje, os índios bolivianos resistem. Torço por eles, e sei que muitos no Brasil, a começar pelos milicianos no poder, veem o que lá acontece como um teste.

E não me enganarei com a Bolívia como me enganei com o Paraguai.

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