Evolução da população prisional do RS na proporção por cem mil habitantes. Comentários livres sobre os efeitos na sensação de segurança. A questão foi apresentada por Sidinei Brzuska e serve de provocação aos defensores do encarceramento.
O punitivista empedernido, que dá de ombros a qualquer argumento contra as prisões – afinal, isso é coisa dos garantistas e do pessoal dos Direitos Humanos – dirá distraidamente: mas tem que ver que a população também aumentou.
Então, sublinho o que mostrou o Brzuska: isso não é o aumento absoluto, é o aumento proporcional à população. Aliás, por ser distraído, nosso punitivista não terá percebido que, mesmo se fossem absolutos os números, o aumento seria estratosférico, num tempo em que a população gaúcha vem crescendo a uma taxa de 0,3%. Mas, não, os 134% de aumento são um número relativo. Mudando o modo de expor, em 2001 havia um preso para cada 700 gaúchos e em 2017 esse número chegou a um preso para cada 300 gaúchos. (O gráfico começa em 2001, e por isso não mostra que em 1990 havia um preso para 1.124 gaúchos.)
A ironia contida na pergunta sobre sensação de segurança é evidente: se o discurso é o de que precisamos prender mais para ficarmos mais seguros, devemos estar agora bem mais seguros que em 2001. Talvez 134% mais seguros. Mas sabemos bem que não é assim e a cada dia é maior a sensação de insegurança.
São duas coisas diferentes, a evolução da criminalidade e a sensação de insegurança. Esta última é alimentada diuturnamente por um bombardeio midiático e um clima de paranoia crescentes, que faz a classe média se trancar em casa, a não sair da segurança de seus condomínios, porque a rua virou campo do inimigo.
E não interessa dizer que todos os dias corremos outros riscos, alguns mais presentes do que a criminalidade. O trânsito, por exemplo, é perigosíssimo, mas o temor de entrar num veículo não existe, enquanto o temor de sofrer um assalto é permanente.
Talvez seja mesmo uma predisposição humana, presente num código genético forjado em milhares de anos de ataques de animais predadores ou tribos inimigas, que nos tornaram vigilantes para esse tipo de risco. Exemplo interessante é a quase anedótica comparação entre mortes causadas por cocos e tubarões: segundo Antony Burgess, especialista em tubarões, há quinze vezes mais chances de se morrer atingido por um coco em queda do que por um ataque de tubarão, mas tubarões impressionam mais que cocos, e ninguém deixa de passar por baixo de um coqueiro por conta disso.
Se temos essa predisposição e a mídia diariamente reforça nosso medo – e o faz reforçando o dramático apartheid social brasileiro –, isso não significa que o aumento da criminalidade seja ilusório: de fato, ela aumenta.
Então, se pensamos unicamente no fator prisões, o efeito é inverso: se há 134% mais presos, estamos 134% mais inseguros. Assim, quanto mais presos há, maior é o número de criminosos e mais nos assustamos, afinal, em seguida algum juiz os soltará. Invertendo o raciocínio, e considerando que o número de presos seja proporcional à criminalidade, essa provocação matemática também faz sentido, porque o número de presos pode ser tomado como um indicativo do número de criminosos.
Foi mais ou menos o que disse, numa entrevista, um juiz que prende muito: quanto mais eu prendo, mais criminosos aparecem.
Há algo estranho nisso. Por que, ao invés de diminuir, a criminalidade só aumenta, mesmo com a prisão de cada vez mais gente? Afinal, o discurso não é o de que precisa prender mais para que fiquemos protegidos? Não vou, por ter a convicção de que a maioria dos presos não deveria estar lá, entrar na discussão sobre prender bem ou prender mal, mesmo porque, aceitando em tese essa arbitrária divisão, está cada vez mais claro que, mesmo prendendo bem, isso não interfere na criminalidade.
Seria interessante pensar por que motivo quem há trinta anos se sentia seguro saindo para a calçada hoje já não sai. O que aconteceu? E não se culpe o brasileiro, porque os brasileiros já existiam nessa época. O que, afinal, mudou nesse tempo?
As causas são múltiplas e cada um há de encontrar suas respostas, mas há coisas difíceis de negar, ainda que, num país grande e complexo como o nosso, seja mais difícil enfrentar as causas da criminalidade. Mas certamente não haverá solução se não houver esperança para a população. O Brasil é o caso mais agudo do aumento das desigualdades sociais, num mundo em que todos estão expostos à propaganda de consumir coisas que muitos não podem ao menos sonhar em ter, e tudo indica que isso vá se aprofundar.
Em outros tempos, apresentavam-se ainda utopias sociais, e, enquanto elas disputavam corações e mentes, podiam catalisar as esperanças de um mundo mais igual. Isso já não existe, mas o caráter excludente da nossa sociedade está cada vez mais escancarado. Cada vez mais, há pessoas que não se sentem parte desse mundo e não lhe prestam contas. Dele nada esperam, a ele nada devem.
O crime disputa esse espaço e tem à sua disposição um enorme exército de reserva, que só aumentará com o novo contingente de desempregados e subempregados, criado pela precarização das relações do trabalho, saudada pela mídia oficial como dinamizadora da economia.
Mas o nosso distraído punitivista não vê essas coisas. Ele é um profissional sério, que cumpre o seu trabalho e abomina quem faz política. Prefere não se dedicar a pensamentos complexos, coisa de contestadores, e imagina que, prendendo mais, contribuirá para derrotar o crime. Para isso, trabalha da manhã à noite, cuidando de ajustar a peça pela qual é encarregado nessa engrenagem. É o seu trabalho, importante para a máquina seguir funcionando. Não lhe ocorre pensar que esta seja uma máquina de moer gente.
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