Os nacionalismos são produto da formação do Estado Nacional e sempre foram úteis como pretexto para encobrir realidades que não podiam ser reveladas. A guerra moderna raras vezes deixou de ser justificada pelo argumento da nacionalidade: se é verdade que a primeira vítima da guerra é a verdade, a mais comum das mentiras que a sustenta é a que atribui ao inimigo estrangeiro toda a responsabilidade pelo conflito, em razão do qual os nacionais não tem outra saída senão se defenderem.
De algum modo, as competições esportivas internacionais representam a sublimação dessa guerra de nacionalismos: trata-se de uma invenção moderna pela qual a nação se mobiliza na Copa do Mundo, nas Olimpíadas ou mesmo competições menores, para que nelas afirmemos nossa unidade nacional, em combates incruentos contra inimigos imaginários.
Há quem torça o nariz para os eventos esportivos justamente em razão dessa simbologia e do mesmo papel alienador que a guerra exerce, mas, assim considerados, não há como deixar de reconhecer neles um elemento civilizador.
De qualquer maneira – e isso vale igualmente para a paixão clubística –, há ali uma representação de uma coletividade heterogênea, de uma massa composta por pessoas de todas as condições sociais, que veem naquela equipe ou naqueles atletas a sua representação.
Isso evidentemente demanda por parte dos atletas assumirem a condição de representantes, o que significa em competições internacionais personificarem a nacionalidade.
A FIFA, que pode ser corrupta mas não é boba, percebeu bem como atitudes particularistas retiram esse potencial de representação coletiva e proibiu o uso de camisetas com mensagens por baixo da camiseta do time. Prestou um grande serviço, num momento em que, prática inaugurada pelos atletas de Cristo, a cada gol éramos obrigados a ver mensagens que nos eram estranhas, quando não hostis. Com efeito, ao fazer isso permitiu que o clube ou a seleção nacional continuassem a ser o clube ou a seleção nacional, e não representantes de credos, amores ou convicções.
Também por isso, embora não seja a mesma coisa, porque fora de campo podem se manifestar como cidadãos, é sempre polêmica a manifestação de atletas que se posicionam numa eleição ou num momento de divisão política. Sob esse aspecto, Neymar fazer campanha para Aécio e Joanna Maranhão dar declarações contra Eduardo Cunha são dois lados da mesma moeda.
Mas, deixando de lado Neymar e Joanna Maranhão, cujas manifestações ao menos não ocorreram quando estavam fardados, chego à continência de alguns dos nossos atletas que disputam o Panamercicano.
Evidentemente, o Exército ou as Forças Armadas não são a mesma coisa que uma religião ou partido político, porque integram o próprio Estado Nacional. Aliás, só existem em razão da permanente preparação dos Estados para a guerra. Não houvesse a guerra, ao menos como ideia, não haveria Exército.
Seja porque o Exército pediu e o Comitê Olímpico Brasileiro atendeu, seja por iniciativa dos atletas (acho meio braba a tese de que foram manifestações espontâneas), foram feitas saudações militares no momento das premiações. É respeitoso? É o modo usual de os militares prestarem homenagem à Pátria? Pode ser, mas o gesto não une, e por isso divide justamente lá onde nos reconhecemos como nacionalidade.
Não esqueçamos que, embora parte do nosso Estado, o Exército se identifica com um regime que não queremos que volte e se identifica com um fim que ninguém deseja.
E não venham dizer que são gestos comuns de atletas que não deixam de ser também militares ou que é uma homenagem a quem contribuiu para que chegassem lá. Puxando pela memória, lembro só de duas Olimpíadas em que houve situações semelhantes: a saudação nazista em 1936 e o punho fechado dos panteras negras em 1968.
Será que o Brasil nunca teve antes atletas militares que ganharam medalhas? Será que nenhum outro país tem militares que ganham medalhas? Por que então só os atletas brasileiros de 2015 fazem essa saudação?
Afinal, eles são representantes do Brasil ou são representantes do Exército Brasileiro?
Essa é a questão. Haverá quem diga que se trata de polêmica sobre uma questão menor, e que há tanta coisa mais séria a merecer nossa atenção. Até concordo, mas, que não gostei de ver meus representantes no pódio fazerem a saudação militar, não gostei.
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