O encontro entre o gigolô das palavras e P., 39 anos, louca para dar

Tenho tentado imaginar como seria o encontro entre o gigolô das palavras e P., 39 anos, louca para dar. Dar para quem sabe usar corretamente a crase.

O gigolô reconhece que sempre foi péssimo em Português, vive às custas das palavras como um cáften profissional e se compraz em maltratá-las, delas exigindo submissão. Sobreviverá ao teste das crases?


Já P. tem tesão por homem que sabe usar a língua. A Portuguesa. E ai de quem erre uma declinação: a brocha é imediata e definitiva. (Ou será que é broxa? Bem, a brocha é dela, e ela escreva como o Português mandar.)

São modelos diferentes: P. é romântica, talvez condenada a viver amores platônicos, enquanto o gigolô é chegado a um sadomasoquismo, mais pra sado. Para o gigolô, a alternativa a dominar seria a necrofilia dos gramáticos. Ou então a deferência de um namorado ou a tediosa formalidade de um marido. Não ser gigolô levaria à impotência, à incapacidade de uma conjunção.

Acho que o modelo futebolístico para o gigolô era o Dadá Maravilha, aquele que flutuava no ar como um beija-flor: dominava na canela, mas estufava a rede como ninguém. Mas, será que entre o Dario e um mero carimbador não poderíamos pensar o texto escrito por um Didi, que chamava a bola de Leonor, a acariciava e lhe dizia segredos no ouvido?

Seria deferência excessiva tratar a palavra com gentileza? Dizer: querida, como te sentes aqui entre vírgulas, estás mais segura assim ou queres que as tire para ficares mais livre? Ou: este verbo está te incomodando, preferes que procure um lugar mais afastado para te sentires bem?

Tratá-las não como um plantel, nem com a formalidade própria de um casamento embolorado, mas ainda, e sempre, lhes falar no ouvido e chamá-las Leonor. Talvez P. espere isso, seja ela própria a Leonor, morrendo de tesão por quem trata bem a palavra.

Embora ache que não vai rolar o clima entre entre os dois, penso numa terapia que aproxime P. e o gigolô, os quais, cada um a seu modo, vivem uma relação de volúpia com as palavras.

Tento compreender os dois e de algum modo os invejo; a desenvoltura de um e a paixão da outra não são para qualquer escrevinhador.

De minha parte, tento ser como Didi, mesmo sabendo que com frequência as palavras me batem na canela: o fato de ser bruto não impede a tentativa da gentileza.

Até aconselharia P. ser um pouco mais tolerante com as crases: estranho o erro, porém não sou tão radical. Mas, quando penso outras situações, como os modos verbais, lhe dou razão, principalmente quando as pessoas se metem a bacanas. Até sou tolerante com o subjuntivo, mas, quando, no indicativo, vejo o foi ser trocado pelo fora ou o disse pelo teria dito, quero mais é fugir.

Veríssimo, que de cáften não tem nada, escreveu O gigolô das palavras no tempo em que o gravador cassete era um instrumento da pedagogia moderna. Dou pra qualquer homem que saiba usar a crase apareceu no Sensacionalista. Espero que P. perdoe meus erros e lhe esclareço que foi opção não usar aspas.

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