Dois fatos da semana me levaram a pensar sobre o quanto pode haver de surpreendente e o quanto de trivial numa notícia. São acontecimentos absolutamente distintos, exceto pelo fato de serem retratos fiéis do que é o Brasil.
Se submetida ao critério do ineditismo, a morte de jovens de periferia em um baile funk seria uma não-notícia. Algo que se repete dia após dia, anunciado como política pelos governantes, que anunciam os policiais prontos para matar os pobres (mas, quando dá mal, tiram o corpo fora), pode comover ou revoltar quem ainda tem capacidade para isso, mas lhe falta essa característica de acontecimento. São quase banalidades. Do mal.
São tão banais e tão do mal quanto a secular política dos Estados Unidos de, nos considerando seu quintal, interferirem na política latino-americana, às vezes usando a própria força, outras patrocinando golpes de estado ou ainda com práticas sub-reptícias de intervenção.
Geralmente, eles não precisam sujar as mãos; acham quem o faça nos estados tributários do sul. Podem, por exemplo, treinar militares que darão os golpes oumesmo treinar policiais, promotores e juízes de uma república bananeira qualquer para afastar do caminho algum líder indigesto.
Muitas vezes fazem isso oficialmente, por agências de nomes edificantes, como a famosa USAID, Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, criada por Kennedy durante a guerra fria, que serviu de laranja para a CIA infiltrar agentes em outros países.
Mais recentemente, quando virou moda a chamada guerra híbrida, seu Departamento de Estado deu cursos a juízes e promotores, a pretexto de habilitá-los a atuar contra o crime organizado, a lavagem de dinheiro, corrupção, terrorismo, e por aí vai. Desde então, têm sido comuns referências à ajuda do FBI em investigações nacionais, como no caso da Lava Jato.
São coisas que acontecem meio discretamente, quase como uma ajuda do amigo mais próspero ao amigo carente de recursos. Afinal, não pega bem aparecer o dedo dos Estados Unidos nos assuntos internos de outros países, em tese soberanos.
Por isso, são não-notícias, como a anterior: a polícia matar na periferia e os americanos se meterem na América do Sul são coisas corriqueiras, do dia a dia. Inusitado seria Dória visitar o comandante da operação que matou nove jovens em Paraisópolis, deixando sua digital na chacina.
E é isso que há de surpreendente no segundo fato da semana. Quando o agente de inteligência do Departamento de Defesa dos Estados Unidos Willard Tenney Smith foi visitar o presidente do TRF4, aquele que condenou Lula, deixou a impressão de ter ido ao encontro para levar suas digitais.
Segundo notícia do Tribunal, na visita do conselheiro para assuntos políticos da Embaixada dos EUA ao Desembargador Victor Luiz dos Santos Laus, a conversa girou, entre outras coisas, em torno da Operação Lava Jato.
Pega mal. O presidente de um Tribunal, por coincidência participante do julgamento de Lula, receber um conselheiro da Embaixada dos Estados Unidos, o agente de inteligência Smith pega muito mal.
Não sei o que de fato conversaram, só sei o que a imprensa do Tribunal publicou, mas imediatamento me senti tomado por um sentimento de presunção de culpa, a mesma que virou moda em alguns tribunais deste país.
E pensei: Quem recebe o conselheiro tem que ter participado com ele. E, para ter participado, alguma coisa errada ele fez.
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