Acontece mil vezes na nossa vida. Fazemos uma coisa, depois nos arrependemos. Geralmente são coisas simples, como comprar uma roupa e nunca usar, às vezes são maiores, raramente são comprometedoras, como quando a pessoa escolhe a profissão errada ou se arrepende do casamento; mesmo assim costumam ter conserto.
Sem conserto mesmo são aquelas que deixam uma mancha definitiva, da qual a pessoa não consegue se livrar. Imagino, por exemplo, que alguém que não seja psicopata nunca se esqueça de um ato de violência que praticou ou da falta de solidariedade a uma pessoa querida num momento em que ela necessitava.
Às vezes, pode ser até por um impulso do momento, mas está feito e não há como se livrar da bobagem cometida. Quem é motorista provavelmente lembre de alguma imprudência que poderia ter sido fatal – e para alguns é.
Por outro lado, como é fácil, depois de feita a besteira e com a cabeça mais fresca perceber o seu tamanho. O tempo é o melhor remédio, inclusive para analisarmos nossos erros.
Mas, quando são daqueles atos que não têm conserto, o remédio não existe, e o futuro cobra sua conta das coisas irrefletidas ou mal escolhidas do presente.
Penso muito nas condutas aplicadas aos fatos históricos e sua repercussão nas biografias, individuais ou coletivas. Em particular, lembro sempre de um momento da nossa história ainda suficientemente próximo para que muitos tenham memória dele: o Golpe de 64.
O Golpe é um marco, e o modo como cada um se posicionou em relação a ele é inapagável, está escrito em sua biografia. Houve, é certo, alguns casos de arrependimento virtuoso, como o de Paulo Brossard, que já em seguida passou para a oposição. Mesmo assim, seu posicionamento inicial está registrado.
Quem foi da ARENA carrega esse fardo, que em qualquer momento pode ser lembrado, quando se analisa a vocação democrática das pessoas. Também os órgãos de imprensa que apoiaram o Golpe nunca serão esquecidos por isso. E a autocrítica da Globo, depois de passados cinquenta anos, pouco ajuda para salvar sua reputação.
Mas não falo só dos políticos e jornais. Falo também das pessoas comuns, por exemplo, quem esteve na Marcha da família com Deus pela liberdade. Quem foi botou isso no seu currículo. A esmagadora maioria dos que lá estiveram nunca terão uma biografia escrita, mas haverá um vizinho, um parente, um colega de trabalho que os lembrará disso: você apoiou o Golpe.
A propósito, é muito comum a auto-indulgência dos atores históricos quando olham para o passado, como se não fosse com eles. Muitos fazem no presente, sabendo o que o futuro dirá, mas apostam que o julgamento da posteridade será benevolente. Geralmente não é, e o futuro não perdoou quem em 1964 falava em corrupção ou bradava contra o comunismo.
Claro, estou escrevendo em 2015, e é fácil fazer agora a crítica do que as pessoas fizeram em 1964.
Ademais, vivemos sempre só o presente, e é com ele que nos preocupamos: nossos impulsos ocorrem na hora dos fatos, e é mais difícil pensarmos nas consequências.
Mesmo assim, sempre é bom lembrar que 2015 é vivido em 2015 do mesmo modo que 1964 o foi em 1964.
E não é só a biografia de FHC ou a de Temer que está sendo escrita em 2015; é a biografia de cada um de nós. O depois virá e nos julgará a todos pelo que tivermos feito. Por ora, estamos no antes, estamos por fazer aquilo pelo que seremos julgados. De minha parte faço questão de que vizinhos, parentes, colegas de trabalho, amigos saibam que sou contra qualquer tipo de golpe, mesmo o golpe branco pelo qual tantos torcem, certos de que seu triste papel de hoje será esquecido. Eu não esquecerei. E quero que o futuro me julgue pelo que defendi.
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