Há alguns meses, no meio de uma discussão virtual – só pode ser, porque as presenciais acabaram – recebi do outro lado, quase como um habeas corpus preventivo: só falta dizer que quem não se posiciona já está posicionado.
Eu não havia dito nada daquilo, a acusação estava na cabeça do interlocutor, mas é interessante que lá estivesse. Como acontece nessas situações, não continuei a discussão. Mas fiquei a pensar se ele estava cansado de ser acusado desse modo ou se tinha a consciência pesada da omissão. Ou talvez até mesmo martelasse em sua memória a fala de Luther King sobre o silêncio dos bons.
Parecia que já vinha preparado para evitar qualquer crítica à sua olímpica omissão em relação a todas as injustiças do mundo, que de fato pouco dizem respeito a sua tranquila existência.
Há outra pessoa, que considero mais inteligente e sensível que aquela outra, e também mais generosa, com quem converso algumas vezes, mas da qual sempre recebo a advertência quando a discussão começa a enveredar por caminhos mais inóspitos: eu não sou de direita nem de esquerda, sou pelo certo.
De fato, ninguém é obrigado a declarar-se de direita ou de esquerda, embora seja difícil acreditar que uma pessoa consiga permanecer equidistante dos valores que identificam cada um dos espectros ideológicos.
As duas pessoas de que falo têm em comum essa escolha arquetípica de um lugar afastado do combate. São, no seu autoconceito, neutros, e se julgam melhores que aqueles que se posicionam, porque conseguem permanecer imunes aos conflitos e paixões, enquanto aqueles outros não merecem confiança, por terem seu raciocínio comprometido por suas escolhas prévias.
Não vou gastar discurso com a natureza falaciosa desse modo de pensar, e não só porque fui previamente admoestado pelo primeiro dos interlocutores, nem consigo, por falta de instrumental e de maior familiaridade com ambos, desvelar seu modo de pensar, para escancarar a falta de neutralidade do lugar, dito neutro, em que se colocam.
Se agora lembro deles e dos episódios que protagonizaram, foi apenas para dizer da coincidência de ter ouvido de ambos, em distintos momentos e lugares, a indignação em relação a uma decisão judicial recentemente tomada, tida como parcial, assim indigna desse lugar neutro em que se encontram e que tanto cultuam.
O leitor certamente sabe aonde chegarei, e é bem isso: nenhum deles viu nada de errado no que há três anos vem acontecendo no Brasil. Ou, se acha, não foi capaz de dizer. Na sua visão dos fatos, tudo vinha seguindo seu curso normal, e agora é que aconteceu um absurdo inominável.
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