Noite de domingo. Chego em casa e verifico as postagens. Logo me chamam a atenção três vídeos curtos com um jovem negro em alguma esquina de São Paulo. No primeiro, ele é revistado de modo humilhante por um policial militar, enquanto outro policial acompanha a cena com revólver em punho; no segundo, os policiais se dirigem à pessoa que filmava a cena e lhe exigem os documentos; no terceiro, já sem a presença dos policiais, o jovem revistado desaba em choro, certamente causado pela humilhação sofrida. O áudio pouco registra, mas se pode ouvir que, em certo momento, o policial berra, enquanto segue a revista: cala a boca, senão você vai preso! E segue: não tô aqui como cidadão, tô como polícia!
Meu texto seria sobre isso, mas já no momento seguinte li que no Rio de Janeiro o Exército metralhou o carro de uma família que ia a um chá de bebê, por ter suspeitado tratar-se de carro tripulado por assaltantes. Foram oitenta tiros, que mataram motorista, pai da família. Detalhe: também ele era negro.
Aí já não havia um fato, mas dois, e pensei ter perdido o foco. Mas, pensei melhor e lembrei que não são dois fatos, mas muitos, que se repetem dia após dia, e de que eu mesmo já tratei em outras postagens.
Mesmo assim, vi neles há duas abordagens possíveis, embora se entrelacem.
No primeiro fato, estamos diante do mesmo Brasil de sempre, aquele em que pretos e pobres são suspeitos por natureza. A ordem do policial é a definição perfeita desse Brasil: se você continuar falando que é cidadão, vai preso por desacato, porque para a polícia você não é cidadão. Aliás, não é possível saber como terminaria a cena se a atenção dos policiais não tivesse sido despertada pela filmagem. Filmagens podem ser salvadoras.
Já o segundo fato, embora mostre muito do Brasil de sempre, em que o desfecho trágico também costuma acontecer, é também retrato de um novo Brasil, aquele em que o Exército é posto na rua para agir contra a população, aquele de um presidente que faz arminha com a mão, de um governador que manda sua polícia atirar na testa, de um ministro que cria um pacote para ajudar a matar.
Já não estamos apenas diante do país perverso e segregador de sempre, em que pretos e pobres são as vítimas preferenciais da brutalidade do Estado: demos um passo adiante, porque agora vivemos no próprio Estado Policial.
Neste Estado, fuzilar uma família negra com oitenta tiros não é engano, é apenas efeito colateral de uma máquina montada para matar. As vítimas continuarão as mesmas, a diferença é que morrerão cada vez mais, porque a ordem é essa.
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