O Jorge era um cara que pegava junto. Sempre disposto, era pau pra toda obra. Não gostava de ler nem discutir política, era tarefeiro e se orgulhava disso.
Um dia me chamou, tinha uma coisa séria pra tratar. Disse: eu não gosto de teoria, isso é com vocês, eu quero botar a mão na massa, fazer o trabalho sujo.
Não entendi direito a parte do trabalho sujo, e ele foi mais explícito: brigar, bater, quebrar. Olha o 8: eles tem o pessoal que faz o trabalho sujo, brigam com corrente, põem os outros a correr. A gente precisa de pessoas assim, e eu quero fazer esse trabalho.
Nos afastamos, ainda o vi algumas vezes de longe, hostil. Um dia alguém me disse que ele havia entrado no 8: achara o seu lugar.
Jorge era pragmático, sua percepção da realidade dizia que o poder se disputa sem filigranas.
O resgatei agora do fundo da memória, puxado por meu pensamento de que eles fizeram o trabalho sujo.
Claro que houve diferença de método: brigar de corrente na rua é de uma brutalidade que nega a civilização; já utilizar o sistema, com o cuidado de não se perder nas filigranas, pode te tornar um herói, principalmente se a opinião pública tiver sido mobilizada a teu favor.
Há nisso tudo um risco: o de ser descoberto. Nesse caso, a depender da repercussão que houver e do grau de cinismo envolvido, você poderá ainda receber alguma recompensa antes de sair de cena ou então simplesmente cair em desgraça, porque já não é útil.
Mas quem há de se preocupar com o personagem? O serviço foi entregue, e serviço feito é o que importa. O tempo não volta, o que está feito está feito, os fins justificam os meios. E assim a vida segue.
Jorge era um sábio.
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