Um colunista emergente da província, que gosta de flertar com o politicamente incorreto, escreve um artigo louvando a intolerância.
Trata-se de intolerância aplicada, porque o texto resvala para 18 motivos que o levam a ser intolerante com o governo central, não sem antes fazer a habitual louvação aos Estados Unidos, modelo de intolerância com tudo o que está errado.
Seu texto tem um esquema: começa ironizando quem pede tolerância, diz que ela está associada à nossa desigualdade histórica e dá vivas à nossa intolerância; depois diz que a classe média é vítima dessa tolerância, que protege os coitadinhos e os poderosos, diz que o governo precisa da nossa tolerância para sobreviver e desfia seus argumentos para ser intolerante.
Mas o que me interessa é discutir a palavra, que tenho manuseado muito, para defendê-la contra esse tipo de retórica. Eu próprio sou intolerante com muitas coisas, mas não posso ver o valor da tolerância política ser distorcido.
O texto associa falaciosamente o discurso da tolerância com práticas escusas das elites e com fatos associados ao governo, que legitimariam ser intolerante com ele. Talvez a distância da pátria amada tenha afastado o cronista da nossa realidade, a ponto de levá-lo a concluir que a defesa da tolerância por certas pessoas seja a defesa do que há de ruim no Brasil.
Não, a tolerância de que se fala é a da alteridade, do respeito pela ideia do próximo, do reconhecimento da divergência como constitutiva da democracia e, principalmente, da intolerância (assim mesmo) com o discurso de ódio.
Temos um Estado que, observando essa tradição iluminista, assegura o cumprimento às regras de tolerância. Portanto, o problema não está no âmbito público, em que esse espaço de liberdade está preservado; o problema está na sociedade: no ódio irracional ao antagonista, na desqualificação do oponente no debate, na ofensa que substitui o argumento, coisas alarmantemente presentes no nosso dia a dia.
Não vejo problema nenhum em alguém dizer-se intolerante com o governo, já eu tenho sempre compartilhado da ideia de sermos intolerantes com qualquer tipo de corrupção; mas vamos preservar o sentido das palavras, pelo menos no âmbito em que são pronunciadas.
A palavra tolerância é polissêmica e se aplica inclusive a certas casas de má fama, mas a tolerância que estas certas pessoas reclamam não é a de qualquer sentido que se lhe dê; a tolerância reclamada é a que pode ser muito bem achada nos pensadores iluministas, cujas ideias inspiraram as modernas democracias ocidentais.
Talvez, de fato, os Estados Unidos tenham se tornado intolerantes até nesse ponto, mas é bom não confundir os conceitos: o valor da tolerância está muito acima das discussões pró e contra governo.
Pena que o gosto por um texto polêmico permita criar essa confusão.
Deixe uma resposta