Há meses pensava em escrever sobre vazamentos. A ideia foi nascendo lentamente, na medida em que via, ainda em 2014, manchetes bombásticas que na maior parte das vezes não se confirmaram, mas mudaram votos, inclusive de queridos amigos.
Eu os imaginava seletivos, mas não tinha a menor ideia sobre sua origem. Aí li o Fred recuperar um artigo de 2004 do Sérgio Moro, em que, louvando a Operação Mãos Limpas da Itália, dizia que os responsáveis pela operação faziam largo uso da imprensa e a operação vazava como uma peneira. Escreveu Moro naquele já longínquo ano: “Tão logo alguém era preso, detalhes de sua confissão eram veiculados no ‘L’Expresso’, no ‘La Republica’ e outros jornais e revistas simpatizantes. Apesar de não existir nenhuma sugestão de que algum dos procuradores mais envolvidos com a investigação teria deliberadamente alimentado a imprensa com informações, os vazamentos serviram a um propósito útil.”
Nesse momento, descobri que os vazamentos não eram obra do acaso nem fruto de sabotagem, mas parte de uma estratégia de comunicação, se é que podemos chamar assim. Digamos que serviam para vender a Operação Lava Jato, mantê-la sob os holofotes e construir um apoio midiático e, por conseguinte, popular.
Era sobre isso que eu ia escrever, e talvez fosse me perder em divagações sobre a conotação negativa da palavra. Sim, na minha vida, na tua, vazamento é sempre uma coisa ruim: imagina uma caixa d’água rachada ou um terraço mal impermeabilizado. Ou seja: vazamento é uma coisa que não deveria acontecer, mas teimosamente acontece.
Pra me orientar nessa divagação, fui procurar meu Houaiss, que confirma a ideia negativa, embora dê à palavra também uma acepção positiva, que desconhecia: nas fundições, é o deslocamento do metal para as formas. Pensei: empatou. Mas, além dessas acepções mais literais, o Houaiss disse mais uma coisa, que aumentou meu desconforto: vazamento é o ato de fazer-se pública uma notícia que não deveria ser divulgada.
Nesse ponto do texto eu seria obrigado a confessar que é antigo meu Houaiss, das primeiras edições. Seria uma advertência necessária: vai que nas edições mais recentes o dicionário se atualizou e passou a dizer que vazamento é estratégia processual para ganhar apoio da imprensa. Nesse caso, ficaria mal o artigo.
Dito isso, escreveria alguma coisa mais sobre a profunda incompatibilidade entre dever de sigilo e liberação seletiva de informações – seletiva em dois sentidos, de conteúdo e de destinatário – e concluiria manifestando minha preocupação com os rumos tomados pela Lava Jato.
Isso é o que eu havia pensado em escrever. A construção mental do artigo estava quase pronta quando ocorreu esse terremoto, que iniciou com a notícia da delação premiada de Delcídio Amaral, evidentemente vazada, e culminou com a também vazada condução coercitiva do Lula.
Foram dois dias corridos, em que tardiamente tive conhecimento dos fatos, e, ao saber, logo pensei, sobre a condução coercitiva: precisava? Depois me disseram que ela foi autorizada para segurança do próprio Lula. Ah, bom, então não foi para moradores dos edifícios chiques do Brasil irem à janela bater palmas no momento em que iniciava o Jornal Nacional.
Fui ver algumas notícias e comentários, e me deparei demais com a palavra perplexo. Serviu pra mim, também fiquei. Durante todos esses meses em que pensei em escrever sobre vazamento, me remoí tentando descobrir os desígnios da Lava Jato. É só uma operação destinada a enfrentar a corrupção ou há algo de menos nobre nela?
Nesses meses, tive muitos embates com petistas que acusavam seu caráter partidário, tive outros tantos com garantistas que denunciavam a quebra de garantias constitucionais aos investigados.
Hoje, não sei o que responderia a eles.
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