Organizações estudantis de Harvard tiveram a ousadia de se manifestar em defesa dos direitos dos palestinos. A resposta não tardou: bilionários anunciaram que vão cortar doações à universidade. Alguém duvida que a reitoria já está se esforçando para calar os estudantes?
Quando li o parágrafo acima, em artigo de Luís Felipe Miguel, pensei: Anchieta. Não, nenhuma organização estudantil do Colégio Anchieta cometeu tal ousadia, ao menos não tenho notícia disso. Pelo contrário, a notícia que vem de lá é que alunos gravaram uma aula, em que o professor de História dizia que o Hamas é um grupo político, mas não disse, como exigiam, que é um grupo terrorista.
O artigo de Miguel trata da guerra econômica e midiática praticada pelo sionismo, que mostra os palestinos como subumanos, não merecedores da nossa compaixão. Com um poder econômico quase absoluto, consegue calar quem se opõe a seus interesses. E há uma associação que, em tempos de raciocínios rasos, produz excelente resultado: palestinos leva a Hamas, que leva a terrorismo. Por esse raciocínio, falar em Hamas e associá-lo a terrorismo é suficiente para justificar tudo o que Israel faz em Gaza.
Há alguns dias, em cinco minutos de táxi, ouvi, num programa matinal de jornalismo, os apresentadores dizerem e repetirem o que os alunos do Anchieta tanto queriam ouvir: grupo terrorista Hamas. Também falaram dos seus aliados terroristas e do Irã, o grande articulador dos terroristas. E falaram dos judeus assassinados. Mas, quando mencionaram o hospital bombardeado, com centenas de mortes, não disseram terrorismo, nem assassinato: disseram tragédia. Pelo que ouvi, não houve palestinos assassinados.
É assim: os israelenses mortos têm nomes e rostos, mais ocidentais que semíticos: rostos brancos como os dos alunos de qualquer colégio de ricos de Porto Alegre; os palestinos mortos são números, não mais que isso. Judeus são assassinados, palestinos morrem: simples assim.
Se é assim na imprensa, por que não seria na escola? Harvard o mostra, o Colégio Anchieta também.
Em nota*, o Colégio afirmou os “princípios que regem a educação da Companhia de Jesus, pautada pela defesa inconteste do diálogo, da isenção e de uma cultura da paz” e o “espaço de construção de conhecimento e de uma convivência plural regida pelo respeito aos princípios, aos valores inacianos e ao bem comum”.
Foi com base nesses princípios que afastou o professor, num momento em que o que mais faz falta aos seus alunos é justamente um professor de História, que lhes explique o que vem acontecendo na Palestina desde o Congresso Sionista de 1897 e a Declaração de Balfour de 1917.
Mas o resultado de uma gravação clandestina e editada mostra bem que, se a primeira vítima da guerra costuma ser a verdade, a profissão de professor na disciplina de História também é perigosa nesse momento, principalmente em instituições de ensino reféns da versão nada isenta imposta por pais e alunos que, não sendo os bilionários financiadores de Harvard, têm o mesmo poder de chantagem.
Hoje, o Holocausto judeu está incorporado ao ensino, mas o Holocausto palestino está em curso, sob o silêncio dos neutros. E, enquanto palestinos sem nome são explodidos e o jesuíta papa Francisco brada “parem, em nome de Deus, cessem o fogo”, o professor de História é afastado.
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* Provavelmente por inépcia minha, não encontrei a nota do Colégio Anchieta em seu saite, motivo pelo qual linco matéria do Sindicato dos Professores, onde está reproduzida.
Utilizei a mesma imagem do artigo de Luís Felipe Miguel. A autoria é de Khaled Hourani.
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