Em tempo de bolhas, me instalei confortavelmente na minha, e pouco sei do que acontece fora dela. Fiz o que muitos fazem, sob a crítica dos estudiosos das redes sociais, que veem, na exclusão de quem pensa diferente, o fechamento de portas para o diálogo.
Fiz aos poucos, silenciosamente, ora quem espalhava notícia falsa, ora quem manifestava opinião preconceituosa, ora quem apenas falava abobrinha. Assim foi, e, conforme a intensidade da afronta, ou então da irritação do momento, minha reação era de simplesmente deixar de seguir ou terminar a amizade ou, em casos extremos, bloquear.
Assim, essa minha postura de fechamento fez com que passasse a ser lido só por quem pensa parecido – o número de leitores obviamente diminuiu – e também passasse a não tomar conhecimento de muita coisa que rolava por aí.
Por isso, sabia das fake news da campanha só por ouvir falar. Também demorei a saber o que é a Cambridge Analytica e seu papel de, por meio das redes sociais, dirigir a disseminação de mensagens preconceituosas a pessoas com perfil previamente analisado, num sistema de manipulação das redes sociais que teve resultado surpreendente no Brexit e na eleição de Trump, e agora ensaia se repetir no Brasil.
Mas, bem acomodado na minha bolha, nada recebi dos meus contatos, nem por Facebook, nem por Whatsapp. Nada recebi até uns dias atrás.
Foi então que veio, replicada por um desembargador aposentado, a foto falsa de uma candidata vestindo camiseta em que está escrito “Jesus é travesti”. Fui olhar seu perfil, e descobri que nele, de alto a baixo, há compartilhamentos semelhantes, muitos deles com conotação sexual, em que não se sabe o que é mais intenso: a denúncia moralista ou a lascívia com que é veiculada.
Segui meu impulso e mais uma vez tomei a atitude de me isolar na bolha. Poderia apenas ter dito a ele: “que feio, você, um homem velho, espalhando essas coisas, você que tem vivência e cultura suficiente para saber que isso é falso”. Mas, não, eu sabia que ele nem ao menos enrubesceria, e tomei a atitude de sempre.
Mais dois dias, e um primo que não vejo há décadas me enviou gravação em que um falso Pedro Bial discorre sobre o pesadelo que significaria uma determinada posse presidencial em 1º de janeiro de 2019. Como não poderia faltar a fixação psicanalítica, a grotesca gravação fala de feministas dançando nuas pelas ruas. Depois, termina com o Bial fake admoestando os isentões e dizendo que devem votar contra a implantação do projeto macabro e vermelho no nosso país.
Nesse caso, arrependido da minha atitude em relação ao desembargador aposentado, respondi. Falei ao primo que meu pesadelo era outro, que tinha medo de viver novamente em uma ditadura. Falei várias coisas mais acerca do meu pesadelo, e terminei alertando-o de que ele havia disseminado um áudio falso. Ficou por isso mesmo, e meu primo nada mais disse.
Os dias passaram e não esqueci. Acho que meu lugar é mesmo a bolha. Me faz mal receber semelhantes mensagens. Porque os conheço, até não me surpreende que o desembargador e o primo disseminem essas coisas. Acho até que me incluíram desavisadamente entre os destinatários – a Cambridge Analytics, que conhece meu perfil, nunca o teria feito.
Mesmo assim, me faz mal. Me faz mal pensar que possam remeter essas mensagens de má-fé, me faz mal também pensar que o façam de boa-fé. É a diferença entre a ingenuidade e a desonestidade, mas em ambos os casos é o recurso do uso de inverdades para atingir os mais primitivos preconceitos e assim interferir no resultado das eleições.
Não preciso dizer que nenhum dos dois discute a política propriamente dita. Nenhum dos dois compara os programas dos candidatos, acredito que nem ao menos os leu. Mas é assim que hoje se faz política e é assim que se decidem eleições. E disso nem a minha bolha escapa.
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A ilustração é de Sandro Botticelli, A calúnia de Apeles.
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