Cotas. Esta é uma palavra que provoca urticárias: vem do léxico bolivariano, onde estão incluídas todas aquelas coisas populistas que cheiram a pobreza.
Na origem, cota tinha outros sentidos: se olho no Houaiss, a primeira acepção que aparece é a neutra “quantia, parcela determinada de um todo” e a segunda é a não tão neutra “fração, parcela com a qual a pessoa contribui para a realização de algo”.
Nessa segunda acepção, não se trata do quanto é dado a cada um, dessa reserva de vagas para quem vem de escola pública ou para negros e índios, mas do quanto cada um contribui.
Por esse olhar, imposto é cota: é a contribuição de cada um de nós para o funcionamento do Estado, que por sua vez redistribui o que arrecada em investimentos, sejam econômicos, sejam sociais.
Então há cotas dos dois lados: o lado do quanto pagamos e do quanto recebemos.
E o sentimento de injustiça em relação à política de cotas certamente tem relação com o fato de que dela se beneficia quem menos contribui para a arrecadação, certo? Errado!
Quem mais paga imposto no Brasil não é quem matricula os filhos em escolas privadas; é quem não tem dinheiro para isso, e os matricula em escolas públicas.
Ocorre que nosso sistema de arrecadação tributária se baseia fundamentalmente nos impostos sobre consumo, muitas vezes ditos como os mais democráticos, porque pegam de igual modo a todos.
Mas isso é uma falácia, porque as pessoas mais pobres gastam com consumo praticamente tudo o que ganham, enquanto os ricos consomem parcela limitada do que ganham.
Quem, por exemplo, ganha mil reais, dificilmente vai deixar de gastar tudo o que ganha em consumo. Assim, considerando uma alíquota média de imposto de 30%, destinará 30% do que ganha aos impostos.
Quem, por sua vez, ganha R$ 10 mil, talvez gaste com consumo 80% do que ganha, poupando 20%. Este gastará com impostos sobre consumo 24% do que ganha.
Já quem ganha R$ 100 mil pode gastar com consumo R$ 20 mil, se for econômico, ou R$ 50 mil, se mais perdulário; no primeiro caso, pagará impostos de 6% do que ganha; no segundo, de 15% do que ganha.
Alguém poderá responder que fatalmente num segundo momento o dinheiro poupado será usado em consumo, e nesse caso os percentuais se equivalerão. Isso pode ser verdadeiro se, por exemplo, o dinheiro poupado servir para comprar um carro, mas não se for para comprar o apartamento da classe média ou a mansão do rico. E, principalmente, não será verdadeiro para quem acumula o capital e se torna cada vez mais rico.
Mas aí virá outro, que dirá: “taí, de novo essa conversa esquerdista de quem é contra os ricos.” Então, pra ficar bem claro, respondo: este não é um texto contra os ricos, é um texto contra as cotas a eles destinadas.
Seguramente, os que mais gritam contra os altos impostos são os que menos pagam; os que mais pagam imposto em relação ao que recebem são os que não têm dinheiro para matricular os filhos em escola particular, nem para lhes propiciarem uma formação cultural que permita, por exemplo, competir em igualdade de condições pelo ingresso em universidade pública, financiada pelos impostos por eles pagos.
O imposto de renda, que deveria ser progressivo, atinge já com a alíquota máxima de 27,5% quem ganha pouco mais de R$ 4 mil. Não é progressivo e, pior, atinge principalmente os assalariados de classe média, porque os ricos, seja por sonegação, seja por regras que lhes são benéficas, conseguem pagar menos.
O imposto sobre a transmissão da propriedade imóvel ou sobre heranças, que poderia servir para taxar aquele valor não pago com consumo e que foi poupado, têm alíquotas que giram em torno de 4%.
Já o imposto sobre fortunas, ah, esse você pode esquecer.
Resumindo: essa política de cotas ajuda os ricos e aumenta a desigualdade social. Se você quer lutar contra ela, sou parceiro.
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