Está quente! Muito quente! Vivemos três semanas de calor extremo. Todos nos queixamos. E todos sabemos que o calor não é fortuito, mas resultado de algo catastrófico e já quase irreversível: o aquecimento global.
Com exceção da direita terraplanista, que, por cinismo ou burrice, nega até que o aquecimento existe, também sabemos que sua causa é a atividade humana – por isso, antropoceno – e que nisso os combustíveis fósseis ocupam um papel de destaque.
Há muito tempo, a comunidade científica internacional lança alertas sobre as consequências terríveis que advirão, com um mundo praticamente inabitável, se ultrapassarmos certo limite de temperatura.
Em termos numéricos, fala-se em evitar que seja excedido o marco de 1,5 graus e principalmente o de 2 graus acima da temperatura média pré-industrial (entre 1850 e 1900). É o que diz o Acordo de Paris, de 2015, ratificado pelo Brasil, no artigo segundo: “manter o aumento da temperatura média global bem abaixo de 2°C em relação aos níveis pré-industriais, e envidar esforços para limitar esse aumento da temperatura a 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais…”
O problema é que não foi necessário muito tempo para ultrapassar os 1,5 graus, e janeiro de 2025 marcou 1,75º acima da média. Já fevereiro foi o 19º mês seguido a superar a marca. Por isso, hoje a grande discussão entre os cientistas é se estamos num ponto fora da curva ou se houve uma aceleração no aquecimento.
Por outro lado, tão certo quanto as marcas recentes superarem os limites traçados no Acordo de Paris é a inércia dos governos – e negativa das grandes corporações – em adotarem políticas eficazes para cumprirem o compromisso assumido. A exploração dos combustíveis fósseis é um exemplo disso.
A leitura de qualquer relatório que trate do tema (PNUMA – Progama das Nações Unidas para o Meio Ambiente, IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, AIE – Agência Internacional de Energia) indica que não há mais lugar para investir em energia fóssil, porque qualquer aumento na produção significará a ultrapassagem dos limites. Diante desses relatórios, o que o Mundo faz parece ser uma brincadeira de faz de conta. Basta ver, conforme a 13ª edição do relatório anual “Banking on Climate Chaos”, que “entre 2016 e 2021 os sessenta maiores bancos privados do mundo canalizaram para a indústria de combustíveis fósseis recursos no singelo valor de 4,6 trilhões de dólares” (“O decênio decisivo”, de Luiz Marques, página 213).
Penso nisso, enquanto acompanho a discussão sobre a autorização para a exploração de petróleo na margem equatorial. Talvez por culpa dos algoritmos, não vejo manifestações da direita negacionista, mas encontro inúmeras demonstrações de terraplanismo ambiental vindo de gente da esquerda.
Vejo um xingar o Ibama por suas restrições e dizer que é necessário limitar seu poder; outro dizer que na verdade o local está distante 500 quilômetros da Foz do Amazonas, e não há impacto à natureza; um terceiro dizer que, logo ao lado, Guiana e Suriname estão implantando poços de petróleo, e assim por diante. Dizem que o próprio Lula é a favor da exploração, o que também é usado como argumento.
Sei bem que há nesses posicionamentos algo que pode ser explicado pela teoria dos jogos: de que adianta eu não fazer, se os outros fazem? Daí vem a pecha de ingenuidade – ou até mais que isso – para quem manifesta oposição ao investimento.
Dou um exemplo com publicação de Ricardo Capelli: “Só o Brasil não pode? As empresas norteamericanas Chevron e Exxon podem explorar petróleo na margem equatorial da Guiana. A empresa francesa Total pode explorar no Suriname. E o Brasil não pode? Absurdo. Posição ideológica, antinacional e desprovida de sustentação técnica.”
O argumento costuma, também, vir acompanhado da afirmação de que ainda não há fonte de energia limpa, que possa substituir os combustíveis fósseis, afirmação que poderia ter melhor sucesso se esse fato não estivesse relacionado ao reduzido investimento em pesquisa, porque o capitalismo segue aplicando em peso suas fichas no petróleo. Num círculo vicioso, investe-se em petróleo, não se encontram energias alternativas, portanto investe-se em petróleo.
O que não se vê nesses discursos é preocupação ambiental. No máximo, quando aparece – afinal, é necessário desautorizar o Ibama – é para afirmar falaciosamente que o impacto ambiental é mínimo.
Crescer, crescer, crescer. E crescer mais que os outros. Afinal, esse é o melhor argumento para mostrar que se é competente. É a síndrome do PIBão alimentando o terraplanismo climático.
É nesse pé que estamos. Chamem de romântico ou ingênuo quem se opõe a mais investimentos petrolíferos, mas digam como vão resolver a questão climática. Suponho que não tenham resposta, nem pensem nas consequências do que defendem.
Mas imagino também outra hipótese: sabem muito bem as consequências de persistir com os combustíveis fósseis, mas percebem que a competição por mais combustíveis está acirrada e que a turma do petróleo ganhou força com a chegada de um negacionista climático à Casa Branca. Daí pensam: vai dar ruim, mas não podemos ficar pra trás nessa corrida.
É claro que, se pensar, quem defende isso sabe aonde chegaremos. Mas não terá coragem de, diante de uma tragédia como a enchente recente do Rio Grande do Sul, dizer que ela é consequência da política que defende. O raciocínio é simples: há uma corrida em andamento, não depende de nós impedir que ela ocorra, por isso precisamos corrê-la, apesar dos efeitos colaterais. Mesmo que, como no título de um livro do Lutzenberger, representem o fim do futuro.
O fato é que a corrida para o inferno está em andamento, e nela está a caravana do terraplanismo climático.
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Escrevo neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, em pleno outono meteorológico. Na varanda, o termômetro belisca os 38 graus.
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Na manhã seguinte à publicação, leio artigo com este título no Climainfo: “Investidores arriscam perder US$ 2,3 tri em ativos fósseis“. Vale a pena ler na sequência.
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