Não foi surpreendente a revelação feita por Piketty no Fronteiras do pensamento de que somente uma parte do planeta, o Oriente Médio, com suas fortunas petrolíferas, tem concentração de renda superior à brasileira.
No gráfico que projetou, mostrou o resultado de estudos recentes, não disponíveis quando escreveu O capital no século XXI, e neles se vê, num período curto da história brasileira, de 2001 a 2015, a evolução da participação dos mais ricos e dos mais pobres na renda nacional.
Minha memória, não tão boa, fica em dúvida sobre ele ter utilizado os dados dos 1% ou dos 10% mais ricos, mas isso não faz tanta diferença, porque ambas mostram o mesmo quadro. Pesquiso os dados coletados pelo World Wealth and Income Database, instituto do qual é um dos coordenadores, para ver que nesse período a participação na renda nacional dos 10% mais ricos aumentou de 54,3% para 55,3% e a do 1% mais rico aumentou, ainda mais significativamente, de pouco mais de 24% para 28%. Já a dos 50% mais pobres aumentou de 11,3% para 12,3%.
Como o gráfico que apresentou se limitou a essas duas faixas, só em sua fala apareceu a referência ao fato de que na faixa intermediária houve uma redução da participação relativa, de resto perceptível do fato de que aquelas cresceram. Agora me valho de simples operações aritméticas, para, excluindo os valores aí de cima, concluir que, na faixa situada entre os 10% mais ricos e os 50% mais pobres, houve uma redução de 34% para 32% e, na faixa situada entre o 1% mais rico e os 50% mais pobres, uma redução ainda mais significativa, de 65% para 60%.
Trata-se de um intervalo de 15 anos, e nele 13 anos foram de governos do PT, de modo que a oscilação pode quase ser tomada como ocorrida nos governos Lula e Dilma. Piketty foi ovacionado por parte da plateia, quando elogiou a evolução de um ponto percentual na renda dos 50% mais pobres, enquanto no mesmo período essa mesma faixa encolheu sua renda na maior parte do planeta.
Mas, se houve um modesto e compreensível incremento da participação da metade mais pobre da população, ficou visível que nesse período os mais ricos tiveram um crescimento ainda maior na participação. A faixa intermediária encolheu sua renda em termos proporcionais, embora não se possa dizer que empobreceu, porque o crescimento econômico fez com que, em patamares inferiores, também aumentasse sua renda.
Se o incremento da renda da base é consequência lógica do aumento real do salário mínimo, da redução do desemprego e dos programas sociais, o crescimento ainda maior no topo da pirâmide decorreu de uma aliança de classe que manteve os juros elevados, assegurando a participação privilegiada do rentismo na renda nacional.
Já a classe média ficou espremida entre os ricos e os pobres, que, ricos mais que pobres, cresciam em maior proporção, e foi quem primeiro sentiu os efeitos da crise. Aos primeiros sinais de contração, viu despertarem seus rancores de classe e fez o que se viu.
O que, de qualquer maneira, chama a atenção é que, seja por opção política, seja por uma irresistível tendência internacional iniciada nos anos 80, um governo de esquerda não quis ou não conseguiu efetivar uma política que reduzisse a disparidade de renda no país. Pelo contrário, apesar dos inegáveis méritos de retirar milhões de brasileiros da linha de pobreza, fez concentrar ainda mais a riqueza no topo.
Chama a atenção que, no estudo apresentado, a renda média dos 90% mais pobres no Brasil era comparável com a dos 20% mais pobres na França, mas os 1% mais ricos do Brasil tinham renda maior que os 1% mais ricos daquele país.
É esse o quadro que encontra o Brasil em 2015, ano em que começa a ser preparado o golpe que se consolidará em 2016. Os números de 2016 e de 2017 ainda não vieram, mas os cortes dos gastos sociais, a reforma trabalhista e o desemprego certamente reverterão a tímida melhora que os 50% mais pobres levaram uma década e meia para obter.
Se governos de esquerda não fizeram mais do que se viu nos gráficos, provavelmente, o que se verá nos próximos anos será uma concentração de renda ainda maior e um forte aumento da pobreza, agravada pelo encolhimento dos investimos sociais e pela retirada de leis protetivas.
Olhando um quadro desses, tem-se a impressão de que é difícil piorar, mas tudo indica que acontecerá. E o pior é que a extrema concentração de renda parece naturalizada em nosso país. Mesmo que se esteja diante de uma panela de pressão e sucessivas medidas governamentais aumentem a força da chama, não parece que alguém se preocupe com a possibilidade de que a panela exploda.
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