Cadeia alimentar em três atos

Ato I

16 de setembro, 15 horas.

Um forte debater de asas me desvia da observação dos camboins, onde procurava cochonilhas. Ergo o olhar, e aí está a cobra cipó com sua presa recém capturada.

Muito vi a cobrinha, em sua paciente espera sobre a romãzeira, imóvel ou acompanhando o balanço da brisa. Também vi seus botes frustrados contra aves incautas que se aproximavam, mas conseguiam ao final desviar-se da boca faminta.

Depois sumiu, para seu repouso hibernal.

Dessa vez, teve sucesso, antes mesmo que eu tivesse dado por seu retorno à árvore.

Refeito do susto, lamento que a vítima seja um sanhaço frade, essa bela ave com que simpatizo, e não um dos inúmeros canários, cuja população não seria afetada pela falta de um indivíduo.

Terá sido pela maior agilidade dos canários ou, pior, por minha imprudência cúmplice, ao atrair a presa para a armadilha fatal, uma laranja partida?

Depois conto para o Valdomiro, e ele pergunta: mas tu não salvou o sanhaço? Conto pra Paula, e ela pergunta: mas tu não interferiu, né?

Por alguns instantes, eu vacilara entre as duas ações, mas optei por respeitar o curso da natureza.

A situação estava como retratada na foto, quando a agenda me retirou dali.

Ato II

16 de setembro, 18 horas.

O sanhaço está estendido, em rigidez cadavérica, dizendo que a refeição não foi concluída.

Da cobra, nem sinal.

Mas estão ali, felizes, os três jacus confiantes de todo dia.

Ato III

19 de setembro, 5 horas.

Ainda escuro, aqui ao lado, na mata ciliar, a mistura de vozes alvoroçadas de jacus, aracuãs e saracuras não consegue formar harmonia nem melodia, mas informa que o momento é de caça.

Mão pelada? Gambá? Graxaim? Algum cão caçador da vizinhança? Não sei, o predador age em silêncio.

Já claro, dois jacus assustados vêm para a refeição matinal de quirera.

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Uma resposta

  1. Avatar de Adriana Jaeger Santos
    Adriana Jaeger Santos

    Eu me impressiono com sua capacidade de observar e absorver o mundo ao seu redor de descrever com uma riqueza de detalhes, coisa que nós outros passamos “batido”…eu confesso que teria partido para salvar o sanhaço, mas depois teria pena da cobra que teria ido embora com fome e penso que talvez fosse melhor mesmo deixar a natureza seguir seu curso….. e lembrei-me da pergunta do “replicante” no filme Blade Runner: “mas afinal, quem vive?”

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