Nosso time era modesto: recém havia retornado da Série B, e foi surpreendente sua campanha no Brasileirão e a classificação à final da Libertadores. Por isso, o Boca era franco favorito, e restava aos gremistas apelarem à folclórica imortalidade.
Primeiro jogo na Bombonera, começamos jogando melhor, mas, não lembro em que sequência, sofremos um gol de impedimento e tivemos a expulsão injusta do Sandro Goiano. Aí desandou e entramos pelo cano.
Mas, bem antes do impedimento e da expulsão, na verdade dias antes do jogo, senti o que aconteceria, quando a Sul-Americana escalou para apitar em Buenos Aires um árbitro que deixava o jogo correr e para Porto Alegre um colombiano, cujo nome esqueci, famoso por marcar tudo.
Nenhum dos dois era mau árbitro, pelo menos pelo conceito de então – tenho a impressão de que, passados dez anos, os amorcegadores, antes admirados por sua habilidade em não se comprometer, estão em extinção, até porque, como mercadoria que é, o futebol deve ser bonito – mas era evidente que quem marcasse falta até em pensamento prejudicaria quem precisava atacar. Aliás, havia uma outra característica desses juízes: além de truncarem o jogo, sempre preferiam marcar faltas a favor da defesa, principalmente quando se tratava do famoso perigo de gol.
Então, mesmo confiando no imortal, essa escalação serviu, para mim, como um sutil – ou nem tanto – aviso de que a festa não era para nós: fora, o juiz apitaria assim, em casa, apitaria assado.
Acho que perderíamos igual, mas o fato é que o time de uniforme tucano foi beneficiado.
Pelo menos a gente sabia: os amorcegadores amorcegavam sempre e os que deixavam correr deixavam correr sempre, de modo que havia alguma previsibilidade, e nenhum juiz mudava de uma hora para outra o modo de apitar.
Eu cresci ouvindo que as arbitragens prejudicavam os times gaúchos contra os grandes de Rio e São Paulo. Era o que nossa imprensa dizia e, hoje, mesmo com um olhar retrospectivo mais crítico, penso que de fato acontecia. E isso por diversos motivos, o mais importante a força política que sempre se concentrou nesses dois centros.
Minha infância já ia longe quando aconteceu a decisão da Libertadores de 2007, e nesse momento mais uma vez tive a convicção de que a escolha do juiz podia determinar o resultado do jogo.
Mais ou menos por essa época, foi divulgada pesquisa de uma universidade europeia, segundo a qual equipes de uniforme vermelho tendiam a ser beneficiadas pelas arbitragens. Isso era ainda pior, porque nesse caso havia uma constatação científica que nos prejudicava não só contra os grandes do centro do país e contra o influente portenho, então presidido por ninguém menos que Mauricio Macri, mas contra o próprio coirmão.
E aí a questão estava já não na maior força política do adversário ou no modo de apitar, mas numa estranha interferência cromática na percepção sensorial, que fazia o mais competente e honesto árbitro enxergar errado e beneficiar os vermelhos.
Não que funcionasse sempre, e fora de campo parecia não fazer efeito. Tanto que, dois anos antes, o Inter havia sido vítima, fora de campo, do maior assalto* já cometido no futebol brasileiro: foi no STJD de Zveiter, que, anulando várias partidas, conseguiu entregar o título ao sempre beneficiado Corinthians. E nesse caso até mesmo dentro de campo houve uma ajudinha: no jogo contra o adversário direto, ao invés de marcar um pênalti contra o Corinthians, o árbitro expulsou Tinga por simulação.
Claro que a universidade europeia não podia adivinhar que no Brasil aconteciam essas coisas, e a ciência não impediu o vermelho de ser prejudicado no campo e no tribunal.
Assim é a vida, e fui buscar lá longe os exemplos, para não parecer que falo de campeonatos correntes. Há árbitros que apitam de um jeito, há os que apitam de outro jeito, embora às vezes tenham a percepção um pouco afetada pela cor do uniforme.
Bom que hoje exista o Estatuto do Torcedor, que manda escolhê-los por sorteio: talvez a bolinha não enxergue cor.
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* Claro que falo só dos assaltos futebolísticos propriamente ditos e não de maracutaias com direitos de transmissão e outros quetais, que não recomendam a cor amarela para combater a corrupção.
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