Eleições. Há 40 anos as acompanho de perto, de enxergar as urnas. Foi em 1982, numa eleição para vários cargos, em que a sensação era o voto para governador, admitido por uma Ditadura já enfraquecida.
Com eleição para vários cargos, a apuração se arrastou por mais de uma semana, mas já no início Simon jogou a toalha e, com a fiscalização do Partido desmotivada, não teve voto suficiente para alcançar Jair Soares ao final, perdendo por 22 mil votos; já Brizola denunciou fraude no Rio de Janeiro, e depois seus votos apareceram.
Presenciei a contagem no Lindoia Tênis Clube. Os mesários faziam montinhos com os votos de cada candidato, depois contavam e anotavam a lápis, como se anotam pontos num jogo de pife. Faziam isso para um cargo, depois repetiam para outro cargo, até que ao final preenchiam os dados num mapa enorme.
Para cada cargo, tinha que fechar a totalização, que devia corresponder ao total de eleitores da seção. Muitas vezes não fechava: faltavam ou sobravam votos. Geralmente a solução encontrada pelos mesários era reduzir ou aumentar o número de votos nulos, para fechar a conta. Os fiscais, sempre atentos, sabiam antes do preenchimento do mapa o número de votos atribuído aos candidatos dos seus partidos, e às vezes flagravam erros de transcrição. Lembro que, numa urna, para desespero de um candidato que chuleava uma vaga para vereador, os 10 votos que havia feito foram para um concorrente do mesmo partido, porque o mesário anotou os votos na coluna ao lado.
Havia mesários competentes, havia mesários ineptos. Alguns eram atenciosos com os fiscais, outros os ignoravam ou até hostilizavam. Não raro, por afronta ou má-fé, manuseavam as cédulas de um modo que não permitia sua visualização por quem estivesse próximo.
Já naquela eleição aprendi que, se a mesma seção fosse apurada cinco vezes, nas cinco daria resultados diferentes.
Depois veio 86. Concorria a federal o Luís Roberto Ponte, do PMDB, e a estadual o Raul Pont, do PT, ambos com grande votação. Lembro da polêmica sobre a atribuição do voto quando o nome Ponte era escrito no espaço do deputado estadual ou o de Pont no do federal. Como a orientação era valorizar a intenção do eleitor, houve as mais diversas formas de resolver a questão. A mais simples foi a daquele mesário que nunca tinha ouvido no Raul, e computava a Luís Roberto todos os votos Pont, independentemente de onde estivessem.
Em 1998, já como juiz, presidi as eleições em Catuípe. No segundo turno da eleição para governador, disputada por Olívio Dutra, do PT, e Antônio Britto, do PMDB, apareceram algumas cédulas com o 12, do PDT, e tive de reunir a Junta Eleitoral para decidir se esse 12 poderia ser atribuído a Britto, porque, segundo alegavam os delegados do Partido, o 2 é mais parecido com o 5 que com o 3.
Não posso afirmar que, em algum dos muitos erros ou dúvidas que presenciei nesses anos de cédula de papel, houve má-fé – em alguns casos, achei que sim –, mas posso dizer que não havia segurança, e a fiscalização tinha de estar sempre atenta, porque era fácil um voto mudar para outro candidato na hora da contagem e preenchimento do boletim.
E estou aqui falando só da contagem, mas não se pode esquecer que, antes de chegar ao local de apuração, cada urna vivia sua história, desde a abertura até o fechamento, e depois no transporte, muitas vezes sem testemunhas para contarem o que com ela se passou.
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Para fazer redondo este breve relato, deveria agora escrever sobre como a urna eletrônica mudou tudo, como foi um avanço adotá-la no processo eleitoral brasileiro.
Mas, precisa isso? Precisa desenhar o carnaval que as milícias fariam na eleição de 2022 se as cédulas fossem de papel e a urna de lona?
Não, não vou fazer isso. Sei que a discussão não é séria e só está sendo provocada por quem não tem apreço pela Democracia e prepara a virada de mesa, por quem apenas busca pretextos para dar um verniz impossível a seus propósitos golpistas.
Para esse fim, tanto faz a cor, o tamanho ou o formato da urna: como o lobo da fábula, apenas lhe interessa devorar o cordeiro, cujo nome é Democracia.
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