É um juiz que prende. E fala como um juiz que prende. Não há surpresa em seu discurso: o crime está tomando conta porque a sociedade é muito tolerante com os criminosos, as leis são muito brandas, o Governo prefere os criminosos soltos para não gastar com presídios, a imprensa os protege e fica acuando os policiais que agem com mão de ferro, e por aí vai.
É um discurso que corre solto, e o juiz que prende o formula com perfeição. Sobra também para os juízes que soltam criminosos quando não deviam, principalmente os chamados garantistas, que vivem a garantir aos criminosos direitos nem ao menos assegurados em lei.
Ao ouvir isso, não contenho um sorriso, e penso na pobre presunção constitucional de inocência e em outros direitos assegurados por lei e solenemente ignorados. Mas isso não aparece no discurso: quem prende sempre cumpre a lei.
O interessante é que vivemos no mesmo mundo, o juiz que prende e eu; nenhum de nós habita a terra dos antípodas, aqueles estranhos seres imaginados no medievo, onde tudo era ao contrário e os próprios habitantes andavam de ponta-cabeça.
Mesmo assim, não me surpreendo: o discurso do juiz que prende tem sua lógica. Neste momento, por exemplo, ele fala de sua posição francamente favorável à redução da maioridade penal, porque esses adolescentes sabem muito bem o que fazem e desde cedo optaram pelo crime.
Já no momento seguinte lembra que nós, cidadãos de bem, vivemos presos entre grades, permanentemente acuados pela legião de criminosos que anda solta nas ruas.
Mas eis que o juiz que prende pronuncia uma frase surpreendente. Diz ele, perplexo: “quanto mais eu prendo, mais criminosos aparecem.”
Sei que não devo esperar isso dele, mas a breve frase perdida no meio do seu discurso poderia servir de ponto de partida para uma reflexão sem preconceitos sobre as causas da criminalidade.
Não tenho dúvida de que a sensação de insegurança na população é muito maior hoje do que era há dez anos. Mais do que nunca, ouço relatos de pessoas próximas que foram assaltadas. Então, acho que, de fato, o crime vem aumentando, e parece que as estatísticas, mesmo maquiadas pelos governos, o confirmam.
Mas, o que dizer do fato de que nesses dez anos a população carcerária dobrou? Como dizer que o aumento da insegurança resulta da conivência com o crime, se nunca se prendeu tanto neste país e se sabemos que ano que vem prenderemos ainda mais que neste ano?
Não seria o caso de tentarmos entender por que isso acontece, para então buscarmos soluções reais para o problema?
Mas, não, o juiz que prende segue cortando as cabeças da hidra e se espantando com o fato de que, a cada cabeça cortada, duas nascem em seu lugar.
Deixe uma resposta