A barriga da parábola

Às vezes, sou submetido a duas reações quase simultâneas, quando tenho acesso a uma informação nova: primeiro, a surpresa; após uma fração mínima de tempo, a segunda, que pode ser um interjeição, tipo ah, tá!

Pois pesquisava na internet informações sobre tábua de mortalidade, para resolver um processo referente a seguro de vida, quando cheguei ao logaritmo das probabilidades de morte do brasileiro, elaborada pelo IBGE para 2013.

O texto era extenso demais para minha pressa, mesmo porque logo concluí que não me ajudaria no processo, mas dei uma panorâmica, detendo-me mais nos gráficos. Então achei comparativos de taxas de mortalidade por idade para ambos os sexos, tomados os anos de 1980 e 2013. Neles, a indefectível parábola – no caso, duas, uma para cada ano – em que duas linhas, seguindo quase paralelamente, 2013 um pouco abaixo de 1980, começavam mais altas para a idade zero e reduziam rapidamente até os quase dez anos, quando passavam a subir lentamente até os 80, idade em que terminam os dados.

Retifico: a descrição que fiz na verdade corresponde ao que deveria ser, e é no sexo feminino, mas – e foi aí que veio a surpresa, imediatamente seguida pelo claro! –, o gráfico masculino não é assim, e a parábola foge do modelo normal, criando, em 2013, uma barriga entre os 14 e os 25 anos. Entre os 15 e os 20 anos as linhas chegam a se sobrepor, mostrando que a mortalidade masculina de 2013 é praticamente igual à de 1980.

E por que o claro!? Porque isso é a violência! E o tamanho da violência, que atinge principalmente jovens do sexo masculino, ficou evidenciado quando, voltando-me ao texto, descobri que nessa idade a probabilidade de morte é 4,5 vezes maior entre pessoas do sexo masculino em comparação ao feminino.

Nem sei como seguir este meu artigo, porque só pensei em compartilhar a óbvia descoberta. Então, concluindo de modo singelo, acrescento que este é o resultado do nosso trânsito, das guerras do tráfico, dos latrocínios, da violência policial, de tantas outras formas de violência em uma sociedade conflagrada. Poderia pesquisar mais em outras fontes, para verificar a evolução dos homicídios nesse período, mas não achei necessário.

Sobre o gráfico, deixo que o IBGE explique:

A expectativa de vida no Brasil continuou elevando‐se, mas poderia, na atualidade, ser superior à estimada, se não fosse o efeito das mortes prematuras de jovens por violência. O fenômeno que se observa no Brasil é típico de países que experimentaram um rápido processo de urbanização e metropolização sem a devida contrapartida de políticas voltadas, particularmente, para a segurança e o bem‐estar dos indivíduos que vivem nas cidades.

Em 1980, de cada mil jovens do sexo masculino que atingissem os 15 anos, aproximadamente 23 não completariam os 25 anos de idade. Em 2013, de cada mil jovens de 15 anos, aproximadamente 22 não completariam os 25 anos, declínio de 7,5% no período. Panorama bastante distinto para jovens do sexo feminino, que em 1980 de cada mil jovens de 15 anos, aproximadamente 12 não completariam os 25 anos, número de óbitos que cai para mais da metade em 2013, 5 óbitos para cada mil, declínio de 56,5%.

É isto: sabia dessa violência, mas me surpreendi com a barriga da parábola. É um indicativo que poderia ser utilizado, ao lado do PIB per capita, da distribuição de renda, do salário mínimo, do IDH, para medir nosso grau de desenvolvimento.

E se formos investigar quem é que morre… Não, hoje vou ficar por aqui.

O gráfico está neste texto. Também estão publicadas as tábuas de mortalidade de 2014, onde se pode ler que aos 23 anos as chances de uma pessoa do sexo masculino morrer chegaram a 4,7 vezes mais que uma do sexo masculino. O IBGE já divulgou as tábuas de mortalidade de 2015, mas não encontrei o texto na internet.

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