No primeiro plano, o gramado.
Nele, bem próxima, quase invisível, a roseira morta, lembrança que permanece.
Depois, da esquerda para a direita, pés de guabiju, guabiroba, jabuticaba e araçá amarelo, todos com cinco anos. A jabuticabeira, coitada, está se recuperando: por não ser deste clima, sofreu com as geadas, mas o El Niño lhe deu um fôlego.
A estradinha, que termina aqui, a pavimentei com entulhos das obras.
Depois vem outro gramado, que serve de estacionamento para quem vai à cachoeira. As placas estão ilegíveis, por obra do tempo, e o João planeja fazer novas, em lata.
À esquerda, a mata ciliar: açoita-cavalos, pinheiros-bravos, cedros, murtas, tapiás, aroeiras, chais-chais (será assim o plural?).
No mesmo ângulo das placas, atrás da demarcação do estacionamento que o Valdomiro e eu fizemos esta semana, quase imperceptível, um monte de calcário esquecido. Nesse ponto, a mata ciliar sofreu um desfalque na última enchente, e o desbarrancamento derrubou árvores antigas.
Atrás do calcário, uma aroeira periquita de quatro anos, querendo aparecer em verde-claro: quando plantadas outras mudas, a maioria já falecida, ela foi esquecida ali, e ficou com caule retorcido junto ao solo.
Mais à direita, um jerivá, plantado pelo Ivan há poucos meses. Veio já grande, com as folhas cortadas: as que agora se veem cresceram depois.
Mais baixo, mas com envergadura, um fumo-bravo. Cresceu espontaneamente, destacando-se do vassoural que se formou ao fundo e já encobre a casa do Valdomiro e da Neris.
Mais à direita, junto à estrada, entre carquejas, vassouras, capins e pega-pegas, ainda não se enxergam as árvores nativas plantadas (mas uma farinha seca ultrapassou minha altura). No meio delas surgem espontaneamente açoita-cavalos e sabões-de-soldado.
Atrás do vassoural, num plano mais alto, eucaliptos. À sua direita, eucaliptos. Ao fundo, semiencobertos pela chuva, eucaliptos.
Mais ainda ao fundo, à direita, uma antena encoberta e eucaliptos, parte deles tornados ralos pela derrubada recente. Também à direita, mais à frente, eucaliptos.
Se a chuva não o encobrisse, estaria ao fundo o Cerro da Fortaleza: nesta paisagem molhada, ele não pode ser senão imaginado.
Fecho os olhos e vejo o devir do vassoural: tão alto quanto a mata ciliar, tornando invisíveis os eucaliptos ao fundo.
Falta a trilha sonora: no telhado a chuva, aqui próximo o piar do tico-tico, à esquerda o rugido do arroio nutrido pela chuva, ao fundo o ronco dos bugios.
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Pós-escritos:
1) Ao terminar o texto, lembrei que, em 1967, no segundo ano primário, a Dona Elma pendurava no quadro-negro imagens de figuras bíblicas, para que as descrevêssemos, como exercício de redação, quase como fiz agora.
2) Não me esqueci de que, sob a bênção do Ocidente Democrático, Israel está cometendo um genocídio. Não posso calar sobre isso.
3) Este texto é o primeiro que compartilho na minha conta nova do Blue Sky e o último que compartilho na conta antiga do Twitter, que será fechada.
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