Eu e o passaredo à minha frente: só nós.
Mas surge um novo personagem, anunciado por passos que se aproximam. A intuição desvia meu olhar para o ponto em que, no mesmo instante, um pescoço curioso se estica por trás do telhado da cozinha.
Era ela, cílios bem feitos, topete panque. Nos fitamos por alguns segundos, que pareceram muitos. E ela sumiu, sem despedida, sem passos, sem pistas.
Tenho ouvido muito as seriemas, e elas circulam pelo entorno; ocasionalmente, por descuido, se dão a ver.
Perguntei a vizinhos se antes se aproximavam tanto: não. Também perguntei se imaginavam alguma explicação para isso: o pessoal tá caçando menos.
Torço para que estejam certos, porque minha hipótese aponta para a expansão da soja.
Uma explicação boa, uma ruim: talvez haja uma combinação das duas.
Mas um fato é certo: a soja está avançando a mil, não só sobre as lavouras de arroz, como também sobre o campo. Assim como a Amazônia e o Cerrado, o Pampa não resiste à expansão da comóditi, que invade nossos biomas, porque dá mais dinheiro alimentar porcos criados na China. Como haveriam os biomas de resistir à monocultura transgênica, turbinada a adubos químicos e veneno?
Entra a soja, encolhe o Pampa, somem as espécies nativas. Algumas estão em risco, a maior parte (ainda) não, mas muitas delas são empurradas para fora de seu hábitat.
Disso sou testemunha, porque vi quando a seriema subiu no telhado.
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Enquanto você lia, Israel assassinava mais uma criança palestina.
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