Sou gremista. Não como o Irion, o Saraiva, o Marcelo, a Elaine, o Flores, que nunca deixam de ir ao estádio; sou desses acomodados, que preferem a televisão e às vezes só descobrem no dia seguinte que houve jogo.
No mais, sou um torcedor normal, desses que reclamam do técnico, acham que o lateral não joga nada, vibram com a jogada de efeito e também com o chutão na hora certa, dormem felizes quando o time ganha e aborrecidos quando perde.
Também me agito com o erro de arbitragem. Não me conformo quando o juiz erra contra meu time – e, como bom torcedor, sempre acho que ele erra mais contra que a favor. Mas o que me deixa totalmente sem graça é o erro decisivo a favor: ganhar por um a zero com gol em impedimento ou pênalti mal marcado ou então porque o time cresceu depois da expulsão injusta de um adversário não me alegra. Ainda durante o jogo, não chego a torcer para o adversário, mas espero uma espécie de contrainjustiça, seja por obra do árbitro, como errar um pênalti para o outro lado, seja por obra do meu time, como perder o pênalti mal assinalado.
Não sei se outros torcedores sentem assim. Na flauta, sei que é diferente, porque é comum na provocação pré-jogo dizer-se que o jogo será ganho com gol em impedimento e com a mão aos 45 do segundo tempo. La mano de Dios entrou para o folclore como motivo de orgulho em vitória obtida por jogada ilícita, num jogo com componentes especiais, por ser Copa do Mundo e contra o inimigo das Malvinas.
Já dentro de campo os jogadores são treinados para aprenderem a simular – aliás, isso é uma dúvida: são treinados ou é uma habilidade inata? Jogar-se na área para cavar um pênalti é como se fosse parte do jogo, e aquele atacante alemão que vai correndo dizer ao juiz que não foi falta não existe.
Mas, meu ponto é a falta de graça com o erro a favor, e o futebol serviu para ilustrar o sentimento que percebi esta semana em amigos pró-impeachment. Aliás, antes mesmo de perceber isso nos amigos, eu tinha visto na votação de domingo, em que atuou no solo la mano de Dios, como también la de la familia, de la mujer, los hijos, nietos, sin hablar en la de torturadores.
Eu sempre soube que este era o pior Congresso que já tivemos, e escrevi sobre isso, mas sua dimensão liliputiana só foi revelada ao vivo e em cores na sessão de domingo, e encheu de constrangimento os defensores, digamos assim, civilizados do impeachment.
Então, segunda-feira de manhã comecei a ouvir os comentários cheios de conjunções adversativas: sou a favor do impeachment, mas… Pensei imediatamente: é o constrangimento com o gol em impedimento.
Só que algo não fechava nesse pensamento. O que vinha depois da conjunção adversativa até fazia sentido, porque é embaraçoso para qualquer um ter como parceiros Cunha, Bolsonaro e caterva, e o genérico, ingênuo, desesperado desejo de que as coisas não parem por aí é revelador do mal estar com os parceiros de luta.
O problema é o que vinha antes da conjunção adversativa: ao se dizerem a favor do impeachment, meus pragmáticos amigos justificavam sua posição das mais variadas formas, a iniciar pelo surrado argumento da corrupção: falavam na crise econômica, na perda de legitimidade política, ouvi até o argumento de que o impeachment seria um meio de permitir uma salutar alternância de poder. Algum deles disse que pedalada fiscal é crime de responsabilidade? Não, nenhum disse.
Aí me dei conta de que, na verdade, meus amigos não se constrangeram com o gol em impedimento; se constrangeram com a desfaçatez, com a falta de vergonha, com a indigência intelectual, com a inexistência do verniz.
Meus amigos queriam o gol e aceitavam que fosse em impedimento, só não esperavam que o atacante estivesse três metros atrás do zagueiro. Fosse mais sutil, estariam felizes.
Mas essas coisas não se escolhem: as opções estavam na mesa. Alguns começam a se dar conta, outros demorarão um pouco mais. O antes passou, o depois está chegando.
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