Não li as notícias da morte do pequeno Vítor, nem assisti ao vídeo: entendi tudo nas frases de apresentação e não quis saber mais. Mas tive, como muitos, esse sentimento de uma morte simbólica, a morte de um povo, o extermínio desse povo.
Quando soube da prisão do suspeito, quis ler: queria, tanto quanto o permitiria um texto jornalístico, entender este ato, se é que é possível entender a barbárie.
A reportagem constrói um perfil de um jovem de classe média de Imbituba, que nunca teve o amor dos pais, e para quem a vida começou a mudar para um inferno no exato dia em que se revelou diferente. Pequenos gestos que denunciavam a homossexualidade latente foram demais para quem, já sem lhe ter afeto, ainda carregava todos os preconceitos sociais imagináveis. A matéria mostra um jovem escorraçado de casa, usuário de drogas, alcoolista, morador de rua, talvez mentalmente perturbado.
Este é o suspeito de ter, naquele dia, atravessado tranquilamente a rua, puxado a cabeça de Vítor com a delicadeza de quem faz um carinho e cortado sua garganta com um estilete.
Tento entender a mente perturbada: o ato foi premeditado ou resultou de um surto psicótico? Este foi o primeiro ser indefeso que encontrou ou se dirigiu deliberadamente a ele, talvez porque trouxesse introjetado um misto de sentimento de superioridade e desprezo humano em relação aos indígenas?
A sensação é de que a mais oprimida das pessoas, que vive sua própria exclusão e se perde nas drogas e na esquizofrenia, encontrou ali um momento de redenção macabra, de vingança contra o mundo que a escorraça. E exerceu a vingança contra quem era mais indefeso que ela própria.
Mas não consigo me livrar da dúvida: para essa mente perturbada, Vítor foi apenas a primeira vítima que encontrou e estava a feição para seu ato ou foi um alvo escolhido? Foi fatalidade que esta tenha sido a vítima? Claro, sabemos bem que não é coincidência uma criança kaingang, e não uma criança branca, pernoitar na rodoviária, mas falo dos desígnios do homicida.
E o que leva um oprimido, em toda a sua loucura, a tirar a vida de quem é igualmente um pária da sociedade?
Certamente, não terei a resposta, mas, para além do sentimento de um genocídio simbólico, tenho uma perturbadora sensação de fragmentação. Não a fragmentação de uma mente: a fragmentação também simbólica dos tantos que sofrem os efeitos de uma sociedade que exclui e produz os seus oprimidos, incapazes de terem empatia com a opressão do próximo e prontos para também submetê-lo, do mesmo modo como são submetidos.
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A matéria que li foi publicada no DCM. Este texto é escrito sem prejuízo da presunção de inocência, mas a perplexidade causada pelo fato permanecerá, independentemente de quem seja o ator. Não coube no texto, mas não posso deixar de registrar que o genocídio simbólico que vejo na morte de Vítor é real e atual em vários rincões do Brasil.
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