Vou ser sincero: Uber não me interessa. Se, ao invés de proibir a Uber, os vereadores tivessem aprovado sua implantação, para mim daria na mesma. Aliás, embora nos últimos meses tenha várias vezes ouvido este nome, só ontem, depois que esse furor todo tomou conta, fui olhar no Google e descobri que Uber é o nome de uma empresa californiana fundada em 2009 e que desde então multiplicou suas atividades ao redor do mundo, fornecendo, pelo que dizem, um serviço de táxi mais eficiente, com carros melhores e perfumados e motoristas educados, tudo por um preço moderado.
Mas, se Uber não me interessa e se só sei isso, por que resolvi escrever sobre o assunto? Escrevo porque me vi exposto a dezenas de manifestações, que, embora mesmo elas não tenham aumentado minha atenção pela Uber, deixaram uma certa sensação de desconforto, do tipo “algo não está sendo dito”. Em outras palavras, a Uber não me interessa, mas o debate passou a me interessar.
Então, tentarei exprimir o que vem me incomodando.
Não pretendo me deter no bárbaro espancamento feito por alguns taxistas, prática que não é inusual nessa categoria e que merece uma resposta exemplar. Mas não é esta a questão, embora, num momento em que se disputam corações e mentes, e aparentemente a simpatia pendeu para o lado da Uber, esse acabe sendo mais um argumento a seu favor. Sabemos bem o efeito do clamor popular.
Mas o que me incomoda mesmo é essa petição de princípio, segundo a qual a Uber representa o moderno, o progresso, em contraposição ao velho e sujo táxi, conduzido por motoristas mal educados, expressão de uma odiosa reserva de mercado.
Engolimos direto o discurso liberal e nem nos damos conta disso. Vamos para a concorrência e o melhor vença. Não vou nem criticar o liberalismo; afinal o mercado está triunfante e poucos espaços ainda não foram por ele tomados. Evidentemente, por mercado se deve entender desregulamentação, e por isso se considera um absurdo que uma Câmara de Vereadores impeça a concorrência.
Nesse caso, nem nos interessa saber que a Constituição confere aos Municípios a competência para legislar sobre transporte de passageiros; só o que sabemos é que essa Uber é bem melhor que os táxis que sempre tomamos, e por isso deve ser implantada em nome do progresso.
Tenho até dúvida sobre a pertinência de haver tal controle público sobre o transporte de passageiros individuais, embora pareça haver algum sentido em disciplinar o número de táxis, organizar os pontos, estabelecer critérios de seleção de motoristas, fiscalizar veículos. De qualquer maneira, o certo é que cabe ao Município dispor sobre a questão.
A propósito, há alguns anos, quando, em muitos municípios brasileiros surgiu a onda do moto-táxi, fato que também gerou a reação dos taxistas, foi tranquila a compreensão do Judiciário de que a matéria deveria ser disciplinada por lei municipal. Naquele momento, não vi essa defesa do livre mercado, talvez porque fossem motoqueiros individuais e não uma empresa californiana, talvez porque transportassem vileiros e não a classe média instruída, talvez porque não pudessem pagar os melhores advogados, talvez porque não tivessem a simpatia da imprensa. Resumindo: liberalismo de pobre não é a mesma coisa.
Mas, quando se vai discutir a legalização da Uber, começam a pulular notícias sobre máfias de taxistas, donos de vinte placas, o mau serviço prestado, e por aí vai. Muito disso é verdade e talvez a polêmica tenha o efeito de aumentar a fiscalização e melhorar o serviço, mas é sintomático que justo nesse momento se multipliquem essas notícias.
No mais, proponho pensarmos onde, na economia, a Uber pode entrar sem reserva de mercado. Pode concorrer com os táxis? Perfeito. E se resolver ampliar suas atividades para o transporte coletivo, pode? Será dispensada a licitação, serão liberados os preços? E as linhas menos rentáveis, para a periferia, como serão tratadas?
Agora, pensemos em outros setores. Foi bom privatizar a Vale? Sei, essa pergunta entra no âmbito daquelas que induzem a uma resposta por conta do impacto. Mas, poderíamos discutir também o setor onde trabalho, o Judiciário: não seria mais moderno, mais barato, privatizá-lo? Evidentemente, são questões que envolvem saber qual é o papel do Estado, quais são os limites de sua intervenção, o que deve ser público e o que deve ser privado.
Os táxis são, talvez, uma área menos relevante para se colocar a questão, e nesse caso poderíamos concluir que não há motivo para o Município legislar sobre a matéria, mas não resisto quando tudo é resumido a uma oposição entre progresso e atraso.
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