O que têm a ver o princípio federativo, a separação entre os poderes e a reforma política com o espírito das ruas? Esses temas, discutidos no Seminário República, e ali identificados como pontos de impasse da democracia brasileira coincidem com as aspirações postas nas manifestações populares do mês de junho, que ainda reverberam na pauta política?
Tendo a dar uma resposta dispersiva: tem tudo a ver, mas ao mesmo tempo passa tão longe. A federação, os três poderes, a organização partidária e eleitoral, tudo isso são temas cruciais à democracia brasileira, e certamente a percepção de insuficiência nesses três âmbitos contribuiu para a eclosão dos que ocorressem os protestos.
Por outro lado, e se o adequado enfrentamento a esses três eixos com certeza levaria a um sensível avanço democrático, parece insuficiente ao movimento das ruas, que busca canais próprios de participação.
Nesse aspecto, parece haver um estranhamento recíproco entre antigas demandas democráticas e novas postulações por inclusão. A institucionalidade formal pode ser mais ou menos democrática, e os avanços democráticos que ali se conquistarem têm valor inestimável. Todavia, não ultrapassarão os instrumentos da democracia clássica, representativa, que pouco se renova e não consegue criar instrumentos e nem abrir canais de expressão para novas gerações, que querem um outro modo de fazer política.
Por outro lado, quando se analisam algumas das postulações formuladas entre os supostos líderes dos movimentos, é possível perceber uma profunda incompreensão sobre as instâncias democráticas clássicas.
Exemplo claro disso é a defesa da redução do número de deputados federais para menos de metade: a partir de um preconceito – diga-se que justificado por algumas práticas do nosso Legislativo – aponta-se para uma solução que leva a menos democracia, porque, num país continental, reduzirá consideravelmente a capacidade de dar adequada representação regional e político-ideológica à pluralidade nacional.
Do mesmo modo, cumpre aos novos atores sociais um posicionamento sobre a aparente contradição de postular uma presença maior do Estado, como ocorre nas demandas por educação, saúde, segurança e transporte público mais eficiente e barato, ao mesmo tempo em que ingenuamente brada por menos impostos.
Aparentemente tratamos de dois universos paralelos: o da institucionalidade, que tem dificuldade em criar instâncias inclusivas a quem já não se contenta com os instrumentos da democracia clássica, e o dos novos atores, cuja legítima demanda por criação de novos espaços de participação ainda não se fez acompanhar da compreensão sobre o valor dos espaços de democracia já existentes e nem sobre a necessidade de assegurarmos a permanência do Estado como agente das políticas públicas.
Nosso desafio é esse: que a República saiba dar vazão ao que lhe dizem as ruas e que as ruas aprendam que a República é acima de tudo um valor a ser preservado.
–
Publiquei este artigo no jornal O Sul em 23 de setembro de 2013, duas semanas após a realização do Seminário República, organizado pela AJURIS, em parceria com o Governo do Estado, a Assembleia Legislativa e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Penso que ainda é útil.
Deixe uma resposta