Vejo de longe o edifício, e na retina da memória acende a gravura de um prédio majestoso, em cujo topo tremula uma bandeira, enquanto no fundo passa um grande avião.
Eu era criança e a ilustração estava num livro escolar, talvez ainda perdido no sótão.
Nada entendia de signos, mas minha mente infantil sentia ali um mundo que pulsava urbano, com imponência e poder, inacessível ao filho de alfaiate da pequena localidade interiorana.
Devo ter me deparado outras vezes com o edifício, devo ter lembrado mais vezes da gravura, mas nunca antes a memória da maravilhada visão infantil iluminara a visão real da edificação. Eu, que vivi um siglo, retorno ao livro escolar, ao ver, vindo pela São João, toda aquela majestade.
Descubro depois que, como costuma acontecer, houve uma falha na memória: a bandeira se agregou ao edifício nos anos 70; assim, ou o que meu livro mostrava não era o Edifício Banespa ou não havia bandeira na figura.
Mas o pequeno lapso diz pouco, diante da confirmação de que o efeito de sentido apreendido pela criança interiorana correspondia ao propósito do monumento, elemento semiótico do orgulho bandeirante, cuja autoconfiança enxergava um futuro de progresso, liderado pela elite paulista.
É o que, de novo, fica claro quando leio que a conclusão do edifício foi atrasada, para que, atendendo a determinação do governador Ademar de Barros, sua torre fosse feita à semelhança do Empire State Building.
Penso agora na ironia de a sede de um banco estatal servir de símbolo à exuberância econômica de São Paulo, que cada vez mais servia de carro-chefe para o capitalismo brasileiro, mas os tempos eram outros, e mesmo na burguesia, sempre tão dependente das políticas públicas, não havia então lugar para o discurso ultraliberal de demonização do Estado.
E ali o vejo, majestoso como quando inaugurado, há sete décadas. Mas a criança já não se impressiona e o mundo não é o mesmo. Segue sendo o Banespão, mas há tempo o Banespa foi vendido a um banco estrangeiro. Também não sobreviveu a audaciosa pretensão de rivalizar com os símbolos do poder americano, coisa hoje impensável a qualquer brasileiro lúcido.
É tarde de sábado, e o calçadão da frente está deserto: não há pedestres, só quatro barracas montadas por moradores de rua. A paz é quebrada pelo alarido de ambulantes que, tentando salvar suas mercadorias, sobem correndo a ladeira, perseguidos por policiais.
Falta ir à Paulista, para contemplar o pato. Programa para o domingo.
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