Tenho sido muito crítico do STF. Há anos critico o modo de indicação dos ministros, critico o estrelismo midiático, as entrevistas de certos ministros com a intenção de interferir na política, as ilegais declarações sobre o mérito de processos que por eles serão julgados, os encontros furtivos com políticos que conspiram, os intermináveis pedidos de vista que representam negação da jurisdição. Na verdade, minhas críticas ao Supremo, e em particular a alguns ministros, já expostas em vários textos, não caberiam em tão poucas linhas.
Lembro ter aplaudido a AMB, que na gestão de Cláudio Baldino Maciel corajosamente se manifestou contra a indicação de Gilmar Mendes, mais ou menos com os mesmos argumentos então utilizados por Dalmo Dallari, num ativismo crítico que faltou à entidade na recente indicação de Alexandre de Moraes.
Também acompanho atento o trâmite do pedido de impeachment do ministro, recentemente apresentado por conceituados juristas, com base em fortes argumentos.
Digo tudo isso, porque agora vou defender o Supremo, e é importante que o faça a partir desse lugar que acabei de enunciar.
Nos últimos dias, primeiro a partir da soltura de Eike Batista, mas principalmente depois da soltura de José Dirceu, caiu o mundo e engrossou o coro dos que pedem o impeachment de Gilmar Mendes, muitos agregando agora o nome de Toffoli e o de Lewandowski, justamente porque votaram pela concessão do habeas corpus.
Não vou negar que, pela história recente do STF, fico em dúvida sobre haver para isso uma motivação estritamente jurídica. É um problema essa sua história recente, porque dá margem a que as pessoas se autorizem a imaginar se algo está sendo tramado e que ajuste político pode estar ocorrendo.
Mas as reações que vi, essa repentina gritaria da direita brasileira contra o até ontem inquestionado Gilmar Mendes, não decorrem de ato de improbidade, de nada que possa ensejar seu impeachment, mas de uma decisão jurídica favorável a José Dirceu, apontado como ladrão-mor por essa direita, que estranhamente silencia diante de tantos escândalos que atingem a nata dos políticos conservadores.
Não posso questionar o mérito de uma decisão do Supremo, e nem teria condições de fazê-lo, mas ao menos tenho de assinalar que a posição que adotou nesse caso tem muito mais a ver com a tradição garantista da Corte e do próprio Gilmar Mendes do que quando, desde a estranha adoção de Teoria do Domínio do Fato, deu um giro punitivista no julgamento do Mensalão.
Mas isso é ignorado: o que importa é que decidiu contra a expectativa política da direita brasileira, que, como bem sabemos, de democrática não tem nada e cada vez mais flerta com posições fascistas.
Deveria ser estranho, mas há tempo não surpreende, que mesmo uma parcela significativa de magistrados se some ao coro, a partir desse indisfarçável viés ideológico, que no âmbito jurídico assume outras nuances, em particular aquela do juiz implacável, vingador da sociedade, para isso autorizado a relativizar as garantias constitucionais.
Isso é muito mais preocupante que o nosso Supremo: a ideia do juiz imbuído da missão quase divina de varrer o mal da face da Terra se torna para muitos, inclusive no âmbito da própria magistratura, um modelo insuscetível de qualquer crítica, porque será recebida como não menos que uma traição.
Também por isso, qualquer decisão limitadora que venha do STF será ela própria vista como um ataque à magistratura, esse agente purificador da Nação.
Expus ao início motivos suficientes para seguir criticando o Supremo, mas não acrescentarei a essa lista os episódios em que põe freios à ideia de um Judiciário implacável e vingador.
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