As tardes de domingo dos meus oito anos eu as passava grudado no rádio de válvula do meu pai. Joãozinho e Alcindo eram minhas alegrias, e muito vibrei com os tantos gols que faziam. Vibrei? Modo de dizer: eu permanecia impassível e era necessário que olhassem bem meu rosto para perceberem o sorriso.
Um pouco maior, os domingos passaram a ser no campo do União, e lá as comemorações eram um tanto mais animadas entre os jogadores: um grito contido de gol e tapinhas nas costas.
Este modo germânico de expressar a comemoração se fez presente também na Copa de 70, assistida na casa dos vizinhos, um casal de idosos, o Fröhlich e a Florentina: permanecíamos educadamente sentados no sofá enquanto o Brasil empilhava gols.
Mas não no jogo contra a Inglaterra: este foi visto na casa do Armindo Carrard, com meu irmão mais velho, o Tonho, e o Lu Carrard. E lá fiquei atônito com a cena: no gol de Jairzinho, o Tonho e o Lu passaram a saltar e urrar enlouquecidamente.
Aprendi logo que era isso que acontecia nos estádios, e presenciei ao vivo pela primeira vez em 71, num Grêmio e Botafogo. Muitos anos passaram até eu ver um goleiro vibrar por defender um pênalti. Nada mais justo, afinal impedir um gol do adversário vale quase tanto quanto fazer um.
O tempo foi passando, e as vibrações se tornando mais comuns. Hoje, o zagueiro põe a bola para fora do estádio e vibra como se tivesse feito um gol. Sempre achei isso patético, até prestar mais atenção às comemorações do Pará: na verdade, é comovente que o jogador abnegado, cuja posição ou falta de talento não permitem ser agente do objetivo maior, vibre quando ele próprio tem sucesso na sua função mais modesta de desarmar o atacante adversário.
Claro que há uma hierarquia para as comemorações, proporcional à importância do jogo: se for um amistoso, nem o acompanhamos; no máximo, perguntamos o placar ao taxista ou ao verdureiro e nem ao menos nos perturbamos se nosso time está perdendo. Mas há jogos que não são amistosos nunca: não existe Grenal amistoso, e a vibração é certa mesmo no desarme.
Já me perguntei se existe uma etiqueta da vibração: saber em que lance é razoável externar a emoção e qual lance pede maior moderação. Trata-se, no entanto, de uma pergunta impertinente, que só pode vir de quem não se mexia enquanto Alcindo fazia seus gols. Certamente está na cultura e no temperamento de um povo a maior propensão à vibração, e é próprio dos brasileiros vibrar por pouco.
É o que acontece também na política: não é de estranhar que ali se reproduzam essas manifestações, com mais razão porque nela se vive permanentemente em grenais: a dicotomia situação-oposição leva a isso, e a mudança de uma vírgula em projeto de lei de interesse do Governo é motivo suficiente para comemoração pela oposição. E isso acontece também em outras votações, em que essa relação binária se embaralha e o plenário se divide em outros times, mas sempre pró ou contra alguma proposta.
Assim, nosso Parlamento passa a se organizar como um estádio, e o resultado de uma votação é comemorado como um gol pelos deputados.
Por isso, não vale o que pensei quando vi a vibração na CCJ pela aprovação da redução da maioridade penal: me enganei quando pensei ver naqueles deputados brancos ódio contra os adolescentes negros e pobres que serão encarcerados. Não, eles apenas comemoraram um gol. Ou o chute para fora do estádio.
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