1.
Este texto é uma provocação.
Dentro de alguns dias votaremos para prefeito e vereador, e Paulo Brack é candidato a vereador em Porto Alegre.
A eleição para o Senado é em 2026.
Mas faço a provocação. Quem tem olhos para ver que veja.
2.
Meu voto sempre foi (e será) de esquerda: ele é movido pela ética da igualdade e da solidariedade.
Dado esse critério norteador, faz alguns anos que, nas eleições proporcionais, passei a votar em mulheres; há menos tempo, passei a dar preferência a mulheres negras. Agora acrescento: ecologistas. Aliás, mais que acrescento: mesmo mantendo a disposição de votar em mulheres negras, o critério da ecologia passou a ser prioritário para meu voto.
Não é capricho, é questão de sobrevivência, menos minha, mais dos meus filhos, mais ainda do meu neto. Ou, de outro modo: menos da minha geração, mais das que virão. Ou ainda, sem o viés antropocêntrico: das espécies de Gaia.
3.
Aos poucos vai diminuindo o número dos negacionistas que ainda duvidam que a catástrofe climática é verdadeira e, pior, já está acontecendo. O aquecimento global é apenas a parte mais visível de um conjunto de indicadores, entre os quais também a perda da biodiversidade, que nos avisam do exaurimento do planeta.
O Rio Grande do Sul é um triste exemplo, com a sucessão de enchentes do último ano, cujo ponto culminante foi a tragédia de maio. As coisas acontecem numa sucessão tal, que mal passou um evento e já chega outro. Também esquecemos rápido, e parece que no fim nos acostumamos à nova realidade, com as chuvas excessivas, as secas e as ondas de calor insuportável. Agora, passamos dias sem ver o sol porque ficamos cobertos pela fumaça que queima o Brasil. Mal passada uma tragédia, vem outra, e o anormal se torna normal.
4.
Não tenho dúvida de que, se perguntada, a esmagadora maioria dos brasileiros responderia sem vacilar que é contra as queimadas e a destruição dos nossos biomas Amazônia, Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica e também Pampa.
Mas essa mesma população elegeu um Congresso da pior espécie, no qual a bancada do Agro é muito superior à sua representatividade social, e onde a aliança que une as bancadas do Boi, da Bíblia e da Bala, perpassando o Centrão e a extrema direita, gera uma legislação cada vez mais permissiva com a agressão da natureza.
Não vem ao caso analisar a causa desse descompasso entre representantes e representados, que fere a democracia brasileira, mas não se culpem os eleitores, para quem nosso sistema eleitoral oferece o voto em indivíduos, e não em programas, e normalmente se elegem os candidatos que fazem campanhas milionárias, financiadas pelos piores interesses.
Um dos expoentes desse atraso é o senador gaúcho Luis Carlos Heinze, latifundiário e negacionista climático, cujo mandato tem servido para aquilo que certo ex-ministro chamou de “passar a boiada”.
5.
Em fevereiro, fui a um evento do qual participaram algumas dezenas de personalidades da esquerda porto-alegrense, que foram convidadas a falarem sobre a cidade com a qual sonham.
Pelo teor da pergunta e momento da reunião, não há dúvida de que o debate estava focado na eleição municipal, e foi animador ouvir, na quase totalidade dos discursos, alusões à importância da questão ambiental.
Mesmo assim, saí de lá com a desconfortável impressão de que as falas vinham um tanto forçadas. Era algo como “pessoal, a questão ambiental está pegando; precisamos achar um lugar para ela no programa de governo”, sem que isso significasse uma real compreensão da principalidade que a questão assumiu.
Depois, veio maio, com sua enchente catastrófica, e até por isso boa parte do debate eleitoral está focado nisso. De fato, seja pela negligência que agravou os efeitos da enchente, seja pelas práticas agressivas ao ambiente – veja-se a derrubada das árvores do Parque da Harmonia –, este é um forte motivo para derrotar Melo.
Mesmo assim, minha impressão não mudou: sigo achando que a ficha não caiu, que a ética ecológica não se impôs e seguimos focados nas lutas antigas, que são importantes, sem nos darmos conta de que esta nova luta, que há tempo nos interpela, é a mais importante de todas, porque envolve até mesmo nossa sobrevivência como espécie.
6.
Na virada dos anos 70-80, surgiu, no contexto da Ditadura agonizante, uma nova esquerda partidária, com quadros igualmente jovens. Isso significou também dirigentes partidários jovens e parlamentares jovens.
Passadas quatro décadas, sem uma política de renovação e numa dinâmica de profissionalização da política, os jovens de então – velhos agora – continuam lá. Esta constatação não é uma manifestação de etarismo, mesmo porque também cheguei a essa idade, mas não tenho dúvida de que o fenômeno dificulta o surgimento de novas lideranças e igualmente novas ideias.
A antiga, e sempre atual, oposição direita-esquerda não foi renovada com as novas pautas, principalmente com a ecológica, que continua a ocupar um lugar marginal, embora muito provavelmente já tenhamos passado o ponto de não retorno do aquecimento global, com desdobramentos que deveriam nos deixar em pânico.
7.
Para quem vê a principalidade da questão ecológica, já não é possível conviver com certo tipo de esquerda. O mundo necessita que as coisas sejam explicitadas, e quem tem compromisso com o planeta deve necessariamente se opor à esquerda Belo Monte, à esquerda OPEP.
Sei: não podemos dispersar forças diante da ameaça fascista, modo pelo qual o capitalismo destruidor da natureza dobra a aposta, ao já não conseguir manter seu domínio pelos caminhos tradicionais da democracia burguesa.
Fazer as alianças possíveis: é como a esquerda resistente e minoritária foi compelida a agir desde sempre, submetendo-se a configurações com espectro político suficiente para lhe permitir a chance de sucesso eleitoral ou ao menos o exercício de uma oposição eficaz.
Contudo, quando o planeta arde, e ainda que, em nome de outros valores, se façam alianças contra o mal maior, é cada vez mais necessário disputar a direção com um programa ecológico, que, seja por incompreensão, seja pela identificação com as pautas de um mundo que já não existe, a elite dirigente partidária ou ocupante de cargos eletivos não consegue incorporar ao imaginário.
8.
É importante, também, superar a polarização que parece ter se cristalizado entre esquerda, principalmente PT, e extrema direita, que, no Rio Grande do Sul, e até mesmo em Porto Alegre, tem consolidado vitórias eleitorais de candidaturas direitistas, até mesmo fascistas, com certeza negacionistas climáticas.
As eleições para o Senado são um exemplo claro de que a união da direita, muitas vezes com hábeis manobras de última hora para redirecionar votos, é capaz de alçar aos Parlamento figuras perniciosas, como Lasier, Heinze e Mourão.
Até mesmo a desconhecida e inexpressiva Carmen Flores, na carona do fenômeno Bolsonaro, chegou a ameaçar a reeleição de Paulo Paim, senador com inegáveis serviços prestados ao Estado e à classe trabalhadora.
Essa polarização, que se apresenta na forma de petismo x antipetismo, tem um vencedor quase certo, e é o pior possível.
9.
Mas a razão maior de dizer que essa polarização não faz bem, e precisa ser superada, não é eleitoral, é programática.
Não é uma superação qualquer, com a produção de novos efeitos midiáticos, uma mudança cosmética. Pelo contrário, é a resposta a uma exigência histórica, pela qual clama o planeta.
O mandato de Heinze termina dentro de dois anos. Não sei se tentará a reeleição, mas sei bem que tipo de candidatura defendo para o Senado: uma candidatura que alterará a polarização, que mudará o centro do debate: uma candidatura em defesa do planeta e contra quem o destrói; uma candidatura contra o negacionismo climático, contra o veneno, contra a queimada, contra o desmatamento. Uma candidatura contra a morte.
O rosto dessa candidatura não pode ser o rosto de quem, nos últimos quarenta anos, esteve inserido, ainda que com méritos, em um modo de fazer política e com um conteúdo programático que consolidaram uma certa biografia, criaram uma persona: não cabe uma pequena alteração programática, com a inclusão de mais um ponto; é necessária a mudança de paradigma, a mudança de norte, a criação de uma nova polarização: esta que decidirá se nossos netos terão ainda a possibilidade de viverem em um mundo habitável.
Mesmo pertencendo à mesma geração, Paulo Brack tem esse rosto. E tem conhecimento e expressão pública que o habilitam a esse embate. Mas seu nome é um exemplo que uso: certamente há outros com perfil semelhante, que poderão também desempenhar o papel.
Terão as burocracias partidárias grandeza para reconhecerem a necessidade histórica e darem esse giro?
10.
Advertência final: como disse ao início, esta é uma provocação. Paulo Brack e a eleição para o Senado entraram no texto como exemplos para falar de uma emergência incontornável. O importante é focar na emergência. Quem tem ouvidos para ouvir que ouça.
–
A foto é do sol encoberto pela fumaça é da Zero Hora.
Deixe uma resposta