O boletim, feito em mimeógrafo a tinta (ajuda de última hora do Stédile, que descolou uma gráfica de centro acadêmico), dizia no título que era dia do trabalhador, não do trabalho.
Do texto, lembro que fazia alusão à origem da comemoração, na luta pelas oito horas na Chicago de 1886, e também que dizia, na linha do título, não ser este um dia de comer churrasco dado pelo patrão, mas de lutar por direitos.
A distribuição foi na Coreia, e, nesse batismo de panfletagem em época de ditadura, quase fugi quando de longe alguém gritou para, como descobri em seguida, apenas pedir um exemplar.
Foi quando conhecemos o Braulino e o Ori, o primeiro segurando a escada de cima da qual o segundo consertava uma calha. Sem saírem de suas posições, cada um pegou seu panfleto, e ali mesmo engrenou a primeira de muitas conversas entre diferentes mundos, em que recebíamos Getúlio e Brizola misturados com o universo em desencanto.
É de 78 esse primeiro de maio. Depois, vieram outros quarenta, mas de nenhum lembro como do primeiro, em que eu próprio, que crescera ouvindo homenagens insípidas a um trabalho metafísico, me surpreendi com o protagonismo dado ao trabalhador.
Se hoje ele me voltou vivo na memória, talvez seja apenas pela nostalgia própria de quem envelhece. Ou então porque, nesse dia de Lula livre e de tragédia dos sem teto, seja mais forte a percepção de um mundo que já não existe.
Não se fala mais do proletariado, aquela classe redentora, que faria a revolução. Ele se liquefez, se atomizou, virou consumidor. Sumiu num modo de produção cada vez mais sofisticado, em que o trabalho humano parece ser um detalhe dispensável, que talvez já não inspirasse Brecht a perguntar quem construiu Tebas.
Hoje mais se fala do precariado que do proletariado e, a vingarem as teses nada absurdas que veem, em brevíssimo tempo, a maior parte das profissões virarem fumaça, logo o mundo do trabalho já não existirá.
Se bem lembro das antigas leituras marxianas, parece que o velho previu mais ou menos isso: uma redução gradual do trabalho, dado o aumento constante da produtividade, o que, num mundo emancipado, seria uma maravilha, porque o tempo seria cada vez mais liberado para atividades criativas.
Mas, lá no século XIX, nem mesmo Marx podia prever a mera substituição do homem pela máquina, o que significa, neste mundo em que a emancipação não ocorreu, a existência de bilhões de seres descartáveis.
Apenas resta um limite para a mera eliminação desse excedente de inúteis, e não tem a ver com nenhum obstáculo ético, de resto inexistente: se o trabalho e, por consequência, o trabalhador pode ser descartado, como ficará o mercado de consumo? Se, numa ponta, já não haverá produtores, quem serão os consumidores?
Como o leitor pode ver, quarenta anos fazem diferença. Me pergunto, às vezes, se não é só na idade de quem escreve, que passou da esperança dos vinte anos para a incerteza dos sessenta. Mas temo que não seja.
Enquanto isso, repito em 18 o que dizia em 78: o dia é do trabalhador, não do trabalho, e por isso de luta.
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